O padeiro Vandoir de Souza, 53 anos, acorda todo dia às 02h30 da manhã mas não é para fazer pão.
Vandoir mora no Jardim Paulista, bairro com 300 famílias localizado no distrito de Parelheiros, Extremo Sul de São Paulo, que fica isolado do resto da cidade por não ter transporte público.
Para facilitar a vida dos familiares, ele dá uma carona até o ponto de ônibus mais próximo, no bairro vizinho do Barragem. Às 03h20, leva o genro; às 04h30, o filho; e às 05h30, a filha.
A 50km de de distância – e pelo menos três horas de viagem – do marco zero da capital paulista, o Barragem é servido por uma única linha de ônibus até o Terminal Parelheiros.
“A gente perde muita coisa por não ter transporte. Minha filha, por exemplo, já deixou de fazer cursos profissionalizantes”, conta Vandoir, que há quatro anos comprou um carro para evitar a caminhada de quase uma hora pela estrada de barro. “Se tivesse ônibus, a gente poderia estudar, conseguir um emprego melhor em outras regiões”.
Vandoir não está só. O movimento Luta do Transporte do Extremo Sul estima que em torno de 15 mil pessoas não têm acesso a transporte público na região – 10 mil nos arredores do Barragem, 2 mil nos bairros mais afastados de Marsilac e 3 mil entre o Bosque do Sol e Parque Oriente.
“Tem lugares em que as pessoas andam até três horas para pegar um ônibus”, conta Vinicius Faustino, integrante do movimento. “A Prefeitura alega que, por conta das normas ambientais, as linhas não podem ser implementadas, mas os bairros têm coleta de lixo e transporte escolar”.
Enquanto pipocam discussões sobre construção de corredores de ônibus e ciclovias pelo município ou falta de investimento do governo estadual no metrô, por aqui ainda se luta pelo básico.
Em abril de 2014, moradores do Marsilac se acorrentaram na porta da Prefeitura de São Paulo. Sem o retorno prometido, organizaram rifas para criar uma linha de ônibus popular, autônoma e com tarifa zero para percorrer comunidades isoladas e cobrar uma resposta do poder público.
Neste ano, o movimento promoveu novas manifestações em frente à Subprefeitura de Parelheiros.
No final de abril, os moradores interromperam a aula sobre direito à cidade ministrada semanalmente por Fernando Haddad na Universidade de São Paulo. Veja o vídeo. O prefeito prometeu realizar uma reunião com eles no dia 23 de maio, mas ainda não confirmou.
A pressão continua.
Nesta semana, a Luta do Transporte no Extremo Sul realizou três dias de linhas populares na região para mostrar que há demanda e que é viável implementar novos trajetos.
Na quarta (13/05), uma van alugada transportou moradores das comunidades de Curucutu, Vera Cruz, Santo Antônio, Cidade Luz e Jardim Paulista até o Barragem. Ontem (14/05), atendeu os bairros de Bosque do Sol, Parque Oriente e a Estrada do Jusa. E hoje (15/05), na Ponte Seca, Mambu e Paiol, no distrito de Marsilac.
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Construir alternativas de poder é o que defende o militante da Luta do Transporte (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)
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José Maria, com sua filha Clara: “Transporte facilitaria acesso a tudo”. (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)
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(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)
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Vandoir mora no Jardim Paulista, a uma hora de caminhada do Barragem. (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)
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Ruas de terra tornam caminhada mais difícil em dias de chuva. (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)
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Marcelo já precisou caminhar 20 km por dia para estudar. (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)
Um dos beneficiados foi o trabalhador da construção civil Judeney Aparcido Matos, 35, que há quatro anos vive com a família no Bosque do Sol. “Se tivesse uma linha aqui no bairro, seria bom”, diz ele, que caminha até meia hora de casa ao ponto mais próximo, na avenida Sadamu Inoue.
Há pelo menos três anos a população local reivindica uma linha no bairro, segundo a auxiliar administrativa Maria Cristina Melo, 41. “Pra fazer qualquer coisa (ir no médico, no mercado, etc), tem que ter força de vontade”, diz ela.
A pequena Julia que o diga. Com oito anos de idade, três vezes por semana ela caminha 40 minutos com a mãe Maria Aparecida Barros, 40, para chegar à aula de natação em Parelheiros.
“Eu fico muito cansada. Já pensei em desistir da natação”, conta Julia.
Nesse contexto, até benefícios como o passe livre estudantil podem gerar problemas para os moradores, que convivem com boatos do corte dos ônibus escolares mantidos pelo governo estadual que fazem o transporte de alunos até as escolas.
“Mas como eles vão se beneficiar do passe livre se não tem ônibus aqui?”, questiona Aparecida.
O professor Marcelo da Silva Santos, 39, andava 20km por dia para estudar. Nascido e criado no Parque Oriente, onde as pessoas percorrem a pé uma hora até um ponto de ônibus, hoje ele depende do carro para se locomover.
“E quem não tem condições? Muitos nem terminam os estudos porque não têm transporte”, diz ele.
“Até para ir no posto de saúde fica difícil. Se você tá doente, sentindo dor, como vai encarar essa caminhada?”, questiona o mecânico José Maria de Oliveira, 45. “Nos dias de chuva, a gente é obrigado a ir molhado pro trabalho”.
José Maria acorda todos os dias às 05h30. Se arruma, toma café e percorre 20 minutos a pé para pegar um ônibus até o Alto da Boa Vista. Chega em casa às 21h, toma banho, come e dorme para madrugar novamente.
“Se viesse transporte para cá, resolveria uma série de coisas e facilitaria o acesso a tudo”, completa José Maria, que como os demais moradores aguarda ter atendido o seu direito à cidade.
Thiago Borges