A repórter Aline Rodrigues se colocou no lugar dos entrevistados Daniel Simão Lequi (à esquerda) e Villamayor Posada (à direita) por alguns minutos

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Não enxergar, não ouvir ou não andar já gera inúmeras dificuldades diretamente relacionadas à deficiência, porém outros obstáculos são criados por diferentes fatores. Geralmente, se está preparado para lidar com os semelhantes e não com os diferentes. Por isso, quem foge de algum padrão sofre com os olhares frequentes de preconceito e a consequente falta de espaço para atuar na sociedade.
Circular pela cidade, obter novos conhecimentos em instituições de ensino, conseguir um emprego e fazer amigos pode ser difícil para muitas pessoas, mas para quem tem algum tipo de limitação física ou mental a situação fica ainda mais desafiadora.
E não se trata de um grupo pequeno e de soluções simples. Pessoas com deficiência representam 24% da população brasileira, de acordo com o Censo 2010. O que equivale a 45,6 milhões de pessoas. No estado de São Paulo são mais de 9,3 milhões e só na capital chegam a 2,7 milhões. Quem tem algum tipo de deficiência, congênita ou adquirida, experimenta a rotina de limitações diárias, muitas delas que poderiam ser evitadas apenas se fazendo valer as leis que já existem e o bom senso.
Há 6 anos, Daniel Simão Lequi, 31 anos, depende de uma cadeira de rodas para se locomover. Ele reclama do desrespeito comum de vários ambientes. “Não dá para escolher muito os lugares aonde ir, porque alguns não são acessíveis e tenho que ir acompanhado para conseguir chegar e ficar”.
Daniel mora em Diadema e diz preferir usar ônibus, trem e metrô do que depender do Atende, serviço de transporte gratuito oferecido pela prefeitura de São Paulo que busca em casa as pessoas com deficiência física severa, com uso de cadeira de rodas. “Se você tem um médico no dia 15, você tem que ligar lá no dia 1º e tentar uma vaga. Tentar! Aí, lá para o dia 10 eles avisam se conseguiram ou não. Pra mim nunca funcionou”. Ele conta que tem sorte por ter feito amizade com os motoristas de ônibus do seu bairro, porque apesar do transporte público não passar na sua rua, ele é deixado na porta de casa pelos colegas.
Mas quando precisa andar pelo bairro “eu sempre vejo nas calçadas postes no meio, carros estacionados, buraco, pessoas que colocam aquelas mesas de bar. A gente sofre muito, eu mesmo ando só na rua, porque na calçada não dá”, lamenta Daniel.
O ex-empresário no ramo de limpeza de piscinas não tem liberação para retomar o trabalho ainda. Ele passa por um processo de reabilitação e a sua única renda é o auxílio do governo que hoje é de R$724,00. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é garantido na Constituição para idosos, com 65 anos ou mais, e pessoas com deficiência, de qualquer idade, que não podem trabalhar e ter uma vida independente. Para recebê-lo, a renda mensal familiar per capita deve ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente.
Sobre esse valor recebido, Daniel chama a atenção sobre a dificuldade de adquirir uma cadeira de rodas nova. De acordo com ele, a primeira é geralmente fornecida gratuitamente por alguma instituição, mas nunca é a mais adequada. “Quando eu peguei a minha primeira cadeira era muito dura e frágil. Se fosse andar na Paulista, que é um tapete, eu sofria. Já melhorou muito, mas precisa mais e baixar muito o preço também. A mais simples é acima de R$1 mil.”
David Villamayor Posada, 45 anos, mora no Jabaquara e conheceu Daniel este ano na Reatech – Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade. Ele que também é cadeirante, reforça a crítica sobre o preço das cadeiras de roda. “O preço é um absurdo. Tem cadeiras de R$12, 25, 42 mil. Uma pessoa com deficiência física que mora na periferia, é aposentado e ganha um salário mínimo vai conseguir comprovar renda para comprar uma cadeira dessas?”
Ele destaca ainda a questão da mobilidade na cidade. “Não adianta ter um teatro acessível no centro se eu não consigo chegar nele por que no caminho faltam rampas, transportes e calçadas adaptados. A acessibilidade tem que ser em geral, não é só em um canto bonito da cidade, porque passa muito turista. Acho que tem que pensar é na periferia, porque onde está a pessoa com deficiência física é mais na periferia do que no centro. E elas se locomovem para o centro todos os dias para trabalhar”.
Daniel sugere uma solução: “Tem que pegar os políticos umas 4 horas, vendar o olho de um, colocar na cadeira dura e pesada que dão pra gente e pedir para eles andarem em uma rua esburacada. Quem sabe eles entendem a nossa situação e melhoram as coisas”.
Cada tipo de deficiência exige uma adaptação diferente no ambiente. Para transitar pela cidade, os cegos precisam de piso tátil nas ruas indicando obstáculos e mudança de rota, informações em áudio como em trens e metrôs, anunciando a próxima estação, e em elevadores, informando a chegada em um andar.  Para os surdos a dificuldade maior está na diferença da língua. Muitos só se comunicam fluentemente por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e tem o português como segundo idioma.
E apesar de a Libras já ser considerada pela lei 10.436/2002 a segunda língua oficial do Brasil, o serviço de tradução e interpretação do português para Libras não está acessível em locais como hospitais, shoppings, empresas. Para os cadeirantes faltam rampas, calçadas e transportes adaptados em vários lugares. Como apresentado em reportagem feita pela Folha recentemente, até as calçadas da Avenida Paulista, consideradas mais adequadas para pedestres com alguma deficiência, tem suas falhas graves. Veja reportagem
Da teoria a prática, do real para o ideal ainda existem grande distância. Mara Gabrilli, deputada federal e tetraplégica, é relatora do projeto de lei que cria o Estatuto da Pessoa com Deficiência. O documento se propõe a garantir os direitos para as pessoas com deficiência afirmados pela Convenção da ONU e aprovado pelo Congresso Nacional. Veja o Decreto.  Trata-se de mais uma tentativa de conquistar uma ampla e verdadeira acessibilidade.
E como é o mercado de trabalho para quem tem alguma deficiência?
PRÓXIMA REPORTAGEM: Mesmo com a lei de contas, o acesso ao trabalho é uma dificuldade para quem tem uma deficiência.

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