Com estímulo a quem lê e escreve, periferias criam próprio circuito literário

Por Jefferson Rodrigues*

Orientação de reportagem: Gisele Brito. Edição: Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano (sobre fotos de Fernando Solidade e de divulgação). Mapa: Paulo Cruz

Um campeonato de poesia em que participantes recitam versos e recebem nota da plateia presente pela apresentação. É assim que funcionam os slams, competições entre poetas que têm crescido nos últimos anos nas periferias de São Paulo mesmo com pouco incentivo do poder público. “A produção pro slam é muito difícil. A gente não recebe nada para ser um slam”, explica Alê Barreto, uma das organizadoras do Slam Capão. 

Desde 2017, o evento acontece mensalmente na periferia da zona Sul de São Paulo de forma totalmente independente. “Agora nesse último tempo, a gente conseguiu ganhar R$ 300 da Prefeitura de São Paulo para fazer, mas é uma coisa que a gente não consegue sempre”, conta Alê. 

Apesar das dificuldades, há o retorno positivo de atrair um público que se interessa pela poesia – contrariando a ideia de que “pobre não lê”, como indicou a Receita Federal na proposta de reforma tributária enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso, no ano passado. O texto prevê a cobrança de um imposto único de consumo de 12%, inclusive para publicação de livros. Confira como isso pode impactar leitores de quebrada em outra reportagem da Periferia em Movimento.

“Com a [possível] taxação, a gente é obrigada a encarecer nossos livros e deixa de vender para o nosso público alvo. Então, nossos livros seriam vendidos só para uma elite, para uma galera classe média que não é nosso público alvo”

Alê Barreto, do Slam Capão

No final do ano passado, o Slam Capão publicou seu primeiro livro – uma antologia com textos de 11 poetas que venceram edições de 2019 -, contrariando a ideia de que “pobre não lê” e indicando ainda que as periferias não só consomem como produzem literatura. É um fenômeno. 

Slam Capão, antes da pandemia (foto: Leo Aguiar)

Produção intensa

Uma pesquisa inédita realizada em 2020 pela Ação Educativa mostra que a maioria dos leitores dos segmentos de múltiplas e potentes vertentes literárias é composta por moradores das próprias periferias. O mercado editorial periférico se expande principalmente a partir dos saraus no início dos anos 2000, enfatiza o coordenador cultural da organização, Eleilson Leite. 

Lívia Lima, produtora cultural e editora do coletivo Nós, Mulheres da Periferia, fez uma pesquisa sobre a importância dos saraus para a cultura periférica. “Os saraus foram muito importantes para movimentar e mobilizar uma classe artística na periferia, grupos culturais, e também incentivar novas pessoas a se engajarem nas atividades artísticas”, analisa.

Pelo menos 375 títulos foram publicados até dezembro do ano passado pelas editoras de quebrada, somando 187,5 mil exemplares vendidos que movimentaram R$ 3,75 milhões em vendas.

Agora, imagine com a cobrança de impostos para publicação de livros? A articuladora cultural Mara Esteves prevê que isso poderá gerar um possível impacto tanto para o escritor como para o leitor, afetando a criação, distribuição e espaços de fomento à leitura. 

“Pensando em um País que, devido à política genocida da atual gestão, retorna ao mapa da fome, que não garante uma biblioteca pública por município e tem total falta de compromisso no cumprimento das políticas públicas que democratize o acesso ao livro e promova os valores da leitura para uma sociedade saudável, persegue educadores e censura escritores, essa taxação é uma das táticas deste governo”

Mara Esteves

Pontes

No vácuo do poder público, a própria comunidade cria um desejo de ter espaços culturais, que são geridos pelos próprios moradores. Exemplo disso são as bibliotecas comunitárias, que também constroem essa ponte de incentivo nas periferias. Além de proporcionarem ambientes de leitura, as bibliotecas também oferecem oficinas, empréstimos de livros, atividades para crianças e jovens entre outros serviços que beneficiam toda a comunidade. 

“As bibliotecas comunitárias, em sua maioria, são os únicos espaços de acesso ao livro para a maioria das crianças e jovens periféricos. Isso acontece pela ausência de bibliotecas públicas e escolares também”, completa Mara, que é co-gestora da Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino, no Jardim Olinda (distrito do Campo Limpo). 

Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino (foto: Fernando Solidade)

Com encontros em bares, centros culturais, espaços comunitários, escolas e na internet, devido à pandemia, quem lê e escreve nas quebradas fortalece um circuito literário próprio e está atento a medidas que podem prejudicar essas ações. Afinal, como o próprio escritor e poeta Sérgio Vaz diz em um trecho do livro Literatura, pão e poesia, “só os cegos não querem enxergar este movimento que cresce a olho nu, neste início de século”:

“A literatura na periferia não tem descanso, a cada dia chega mais livros. A cada dia chega mais escritores e, por consequência disso, mais leitores. Só os cegos não querem enxergar este movimento que cresce a olho nu, neste início de século. Só os surdos não querem ouvir o coração deste povo lindo e inteligente zabumbando de amor pela poesia. Só os mudos, sempre eles, não dizem nada. Esses, custam a acreditar”.

Localize-se!

Quer saber mais sobre as bibliotecas comunitárias, os serviços oferecidos e onde elas estão localizadas? Veja o mapa abaixo e encontre a biblioteca mais próxima da sua região. 

*Jefferon Rodrigues é participante do “Repórter da Quebrada – Uma morada jornalística de experimentações”, programa de residência em jornalismo da quebrada realizado pela Periferia em Movimento por meio da política pública Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo

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