Reportagem por Thiago Borges. Edição de vídeo: Pedro Ariel Salvador
A primeira lembrança de atuação política de Elaine Mineiro é da própria família. Sua mãe, que era empregada doméstica, se mudou sozinha com os filhos pequenos para a Cidade Tiradentes (Extremo Leste de São Paulo) quando o bairro ainda não tinha asfalto, luz ou água encanada. Ela participou ativamente das lutas para conseguir o básico.
“Essa mesma mãe me colocou pra fazer teatro, e eu fui caindo pra essa coisa da cultura”, diz Elaine, hoje com 36 anos, mãe de uma menina e nome que representa oficialmente o Quilombo Periférico na disputa por uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo reivindicando uma cidade sem racismo.
A pré-candidatura coletiva é formada por 6 pessoas de diferentes pontos da cidade. Em comum, todas e todos vêm de uma atuação política construída nos territórios periféricos, em movimentos, coletivos e organizações sociais que lutam pela garantia de direitos humanos.
Confira no vídeo abaixo o querem essa e outras candidaturas periféricas:
Elaine, que integra o Jongo dos Guianás, ajudou a construir o Fórum de Cultura da Zona Leste e o Movimento Cultural das Periferias, além de integrar a rede de cursinhos populares Uneafro e a Coalizão Negra por Direitos. Débora Dias, moradora de Sapopemba (Zona Leste), também faz parte da Uneafro, assim como a ativista transgênero Samara Sósthenes (moradora da Luz, no Centro).
O babalaorixá Julio Cezar de Andrade mora em Guaianases (também na Zona Leste), é assistente social e já foi conselheiro tutelar na mesma região. Já Erick Ovelha é do Jardim Ibirapuera (na Zona Sul da cidade) e faz parte da associação Bloco do Beco e do Ybirasamba. Próximo dali, no Campo Limpo, Alex Barcellos construiu sua trajetória na cultura e economia solidária atuando na Agência Solano Trindade e na União Popular de Mulheres do Jardim Maria Sampaio e Adjacências.
“A gente tem aquela máxima do candidato hétero branco que vai na quebrada pedir voto e some por 4 anos. A gente tem nosso projeto de vida, as pautas de vida que a gente reivindica”, aponta Erick Ovelha.
De fato, os dados mostram que há uma subrepresentatividade no poder Legislativo paulistano.
Nas últimas eleições municipais, em 2016, apenas 8 candidatos autodeclarados pardos e 2 autodeclarados pretos foram eleitos vereadores. Isso equivale a apenas 18,5% das 55 cadeiras da Câmara, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por outro lado, 37% da população da cidade de São Paulo se declara preta ou parda, segundo o IBGE.
Se lançar na disputa por um cargo na política institucional é buscar representar a si mesmo e àqueles com quem caminha lado a lado no cotidiano. Em meio à pandemia, por exemplo, muitas e muitos se envolveram em assistência básica à população, com doação de cestas básicas e outros insumos. É a correria da quebrada que querem pautar nas eleições municipais que acontecem em novembro. E não são os únicos.
Nascida e criada no Capão Redondo, a professora da rede pública Camilla Lima compõe a União da Juventude Socialista (UJS) e é pré-candidata pela Bancada Feminista.
A pré-candidatura coletiva do PC do B é encabeçada por Carina Vitral; e composta por Claudia Rodrigues, presidente da União Brasileira de Mulheres (UBM) no município; e Nayara Souza, estudante universitária que presidiu a União Estadual dos Estudantes (UEE).
“Se a mulher pode cuidar da família, estudar, viajar, também está capacitada pra ocupar espaços de destaque na política”, explica Camilla. Após 2016, o número de vereadoras em São Paulo saltou de 5 para 11 (20% do total). “A gente precisa estar representada nesses espaços de poder pra pensar melhor as políticas para a população”, continua.
Ainda sobre representatividade: numa cidade em que 40% dos vereadores atuais têm um patrimônio de mais de R$ 1 milhão, isso pode significar priorização de determinadas pautas em detrimento de outras?
Atento a isso, Jesus dos Santos defende justiça social.
“Nossa atuação se dará na disputa e descentralização do orçamento e maior participação popular, entendendo que as políticas não se efetivarem na redução das desigualdades”, diz ele.
Morador do Jardim Brasil (Zona Norte), Jesus também vem das artes e participou da criação da Lei de Fomento à Cultura das Periferias, articulada pelo Movimento Cultural das Periferias. Ele está licenciado do cargo de co-deputados estadual da Mandata Ativista (experiência coletiva que conseguiu uma vaga na Assembleia Legislativa em 2018) e agora é porta-voz da pré-candidatura coletiva A Periferia é o Centro, composta por 13 pessoas.
Quem também vem do trabalho político na cultura e na educação nas quebradas é Rafael de Almeida Silva, de 25 anos. Conhecido como Rafael Shouz (foto em destaque na matéria), ele passou por cursinhos populares e tem uma atuação como MC de batalhas de rap na região de Cidade Ademar (Zona Sul de São Paulo).
Agora, Shouz se lança pré-candidato a vereador com objetivo de representar a juventude periférica e articula outras candidaturas no Movimento Vote Perifa. “A periferia só vai ser beneficiada pela política quando ela for a política”, completa.
Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização das iniciativas de comunicação Alma Preta, Desenrola e Não me Enrola, Embarque no Direito, Nós, Mulheres da Periferia, Periferia em Movimento, Preto Império e TV Grajaú, com patrocínio da Fundação Tide Setúbal.