Da Agência Senado
A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos. A taxa de homicídios entre jovens negros é quase quatro vezes a verificada entre os brancos, o que reforça a tese de que está em curso um genocídio da população negra. Essa é uma das constatações do relatório final (clique aqui para acessar a íntegra) da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens. O texto foi apresentado nesta quarta-feira (8) pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
O relatório final sugere três principais ações: um Plano Nacional de Redução de Homicídios de Jovens, transparência de dados sobre segurança pública e violência e fim dos autos de resistência (termo utilizado por policiais que alegam estar se defendendo ao matar um suspeito). A desmilitarização da polícia é outra recomendação do documento.
A comissão, instalada em maio de 2015, ouviu mais de 200 pessoas em 29 audiências públicas em vários estados. De acordo com dados apurados pelo colegiado, o homicídio continua sendo a principal causa de morte de jovens negros, pobres, moradores da periferia dos grandes centros urbanos e também do interior do país.
“A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Isso equivale à queda de um jato cheio de jovens negros a cada dois dias. Genocídio da população negra é a expressão que melhor se enquadra à realidade atual do Brasil”, disse o relator da CPI, senador Lindbergh Farias.
De acordo com Lindbergh, os diversos problemas relacionados à gestão da Segurança Pública apurados no relatório indicam a necessidade de criação de um protocolo de ações básicas, para que União e estados atuem de forma coordenada.
Entre as diretrizes para elaboração do Plano Nacional de Redução de Homicídios, está priorizar esforços e recursos em territórios selecionados com taxas maiores de vulnerabilidade.
A criação de um protocolo único para registrar autos de resistência está entre as recomendações do relatório final da CPI, assim como a criação de um banco de dados nacional com indicadores consolidados e sistematizados de violência.
Autos de resistência são os registros de mortes ocorridas em supostos confrontos nos quais o policial afirma ter atirado para se defender. Dados apresentados em audiência pública apontam que, nos assassinatos cometidos por policiais no Rio de Janeiro durante confronto com suspeitos, 99% dos casos são arquivados sem investigação, e em 21% dos casos as vítimas tinham menos de 15 anos.
Para alguns especialistas, o dispositivo permite a violência aos direitos humanos sem que isso seja considerado violação grave, além da remoção de cadáveres sem perícia, do impedimento e ausência de socorro das vítimas, da ausência de investigação ou de perícia autônoma. Tudo isso, segundo argumentam, somado à culpabilização da vítima e à contribuição do Ministério Público e do Judiciário pelo arquivamento desses processos no prazo de até dois anos, sem punição dos agentes responsáveis.
“A policia que mata não pode ser a policia que investiga”, disse Dandara Tonantzin, do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
A senadora Lídice da Mata (PSB-BA), presidente da comissão, defendeu a aprovação do projeto de lei que acaba com os autos de resistência (PL 4471/2012). A proposta está em análise na Câmara dos Deputados:
Desmilitarização da Polícia
A reestruturação da segurança pública, a partir da desmilitarização da polícia e unificação das Polícias Militar e Civil é outra sugestão do colegiado. Para Lindbergh, o modelo de formação e treinamento dos policiais deve ser repensado de forma a incentivar a criação de uma “polícia cidadã”.
“A Comissão defende que a Polícia Militar deve ser desmilitarizada e o policial deve ser visto como verdadeiro cidadão, sujeito de direitos e deveres, e não como um soldado preparado para matar e morrer”,- diz Lindbergh, que é autor da PEC 51/2013, sobre o tema.
O problema investigado pela CPI, considerado por alguns participantes de audiência como uma “guerra civil não declarada” e um “extermínio da juventude pobre e negra”, é confirmado pelo mapa da violência no Brasil que revela: das mais de 50 mil pessoas assassinadas anualmente, quase metade das mortes é de jovens entre 16 e 17 anos. Destes, 77%, negros e 93% do sexo masculino. As vítimas com baixa escolaridade também são maioria. Além disso, a arma de fogo foi usada em mais de 80% dos casos de assassinatos de adolescentes e jovens. Ainda de acordo com o estudo, a Região Nordeste apresentou os maiores índices de violência.
“É uma vergonha nacional”, disse Lindbergh Farias, ao afirmar que os índices são resultado de uma política de criminalização da pobreza e do racismo introjetado na sociedade.
Lindbergh Farias destacou a responsabilidade do Estado, seja por ação ou omissão. Segundo ele, o Estado brasileiro, direta ou indiretamente, provoca o genocídio da população jovem e negra.
“Os índices de mortalidade assumem dimensões de países em guerra. E mais impactante é o silencio da sociedade, das camadas médias e superiores, para quem esses assassinatos não constituem um problema social, pelo contrário, sendo considerados por muitos uma necessária estratégia de erradicação da bandidagem. O grande desafio é colocar esse tema como uma questão central da política nacional”, disse o senador.
Para Fábio George Cruz da Nóbrega, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o relatório será um norte para combater a violência contra a juventude negra:
“O Brasil é o recordista mundial de homicídios. Mata-se mais no Brasil do que nem todos os países que se encontram em guerra no mundo. Temos a polícia que mais mata e a polícia que mais morre”, afirmou.