Por Mariana Caires
O Brasil, visto de fora, é o país do futebol e da miscigenação. Essa é a imagem que transparece para o mundo, mas quem vive essa realidade sabe que não passa de um conto bonito “pra inglês ver”, assim como foi a abolição da escravatura em 1988. O jovem negro da periferia desde cedo aprende que a mistura de raças no seu país implica em cada um ocupar seu devido lugar. Para ele, o terrão do bairro e a bola de latinha amassada são o começo da caminhada rumo ao sonho de, como o ídolo Neymar, conquistar um novo espaço.
Além de ser uma possibilidade (bem difícil e seletiva) de ascensão social ao negro e negra da periferia, o futebol é lazer. E assim como jogar, torcer também sempre foi uma manifestação cultural tratada de formas diferentes a depender da sua cor, classe e gênero.
“Racismo é a chave de compreensão para vários fenômenos sociais”, muitos que às vezes nem se imagina, explica Silvio Luiz de Almeida. “Vivemos num país que vem do trabalho escravo, e isso está na base das hierarquias que fazem a economia e a política funcionar, que fortalece um Estado que prende e mata a juventude negra”.
“O racismo é naturalizado no Brasil, tanto que uma mesa de intelectuais negros causa certa estranheza, pois há saberes que negros não podem exercer tradicionalmente. Subjacente ao discurso ‘olha onde você chegou’, está a ideia de que ali não é lugar para negros”, afirma Silvio Luiz de Almeida. Foto: Mariana Caires
Desde que a “Geral” do Pacambu foi trocada pelas cadeiras brancas da Arena Corinthians, o público que acompanha o time é cada vez mais seletivo. Se só cabem 45 mil pessoas no estádio, o que seleciona sua entrada é o dinheiro, como disse o vice-presidente do clube. “Estamos todos os dias nas periferias, realizamos muitas ações sociais”, conta. Mas a relação do futebol de elite com a periferia tem sido afetada.
Se a torcida do Corinthians nasceu predominantemente negra e periférica, há um contexto histórico que explica isso, explica Juarez Xavier. Para o professor, “o Corinthians trouxe representatividade ao povo negro das periferias”, e por ser o time do povo, foi atingido pelo marcador social perjorativo, de time de maloqueiros, enquanto que outros se autoafirmavam como times de elite. O marcador do “corinthiano, maloqueiro e sofredor” causou identidade com a população periférica, fez da torcida o que ela é.
Como não citar Dona Elisa, torcedora símbolo do Corinthians por tantos anos? A mulher empregada doméstica, negra e da periferia foi figura responsável por grande parte da torcida feminina. “Faço parte do grupo de mulheres negras acima de 50 anos filhas de empregadas domésticas e corinthianas, que sofriam pelos jogos, lutaram contra o racismo diariamente e contra o machismo”, conta Conceição Lourenço.
Quem assiste a um jogo de futebol pela TV, pode perceber o enbranquecimento das torcidas que vão aos estádios. Se Donas Elisas e suas famílias não ocupam as arquibancadas, o que o time acha disso? O discurso da diretoria, dito pelo José Carlos Pereira, primeiro vice-diretor negro do clube, é de que “para o Corinthians ser do tamanho que é, precisamos girar economia”, mas é por aí que começa a exclusão. Os ingressos cada vez mais caros elitizam o futebol brasileiro, e o “bando de loucos”, que estampa as camisas, tem que se virar pra ver o time ser campeão.