Todo domingo centenas de banhistas se refrescam na Cachoeira do Marsilac, no Extremo Sul da cidade. A corredeira é formada pelas águas do rio Capivari. Mais à frente, o mesmo rio forma a queda d’água da Cachoeira do Jamil, na região de Parelheiros.
Como esse, São Paulo tem mais de 300 rios. Em época de seca no Cantareira, tem águas rolando embaixo das avenidas Nove de Julho (rios Saracura e Iguatemi), Pacaembu (rio Pacaembu), Juscelino Kubitschek (córrego do Sapateiro), Bandeirantes (córrego da Traição), entre outras. Porém, o rio Capivari é considerado o único inteiramente limpo da cidade.
O processo de urbanização adotado na cidade é o principal responsável pelo “desaparecimento” dessas veias d’água, como mostra o documentário “Entre Rios”, de 2009. Veja abaixo:
“Estamos colhendo o que foi plantado e cultivado ao longo de décadas. Adotamos um modelo de desenvolvimento absolutamente predatório que a bem da verdade não pode sequer ser chamado de modelo de desenvolvimento, pois é retrógrado do ponto de vista econômico, insustentável do ponto de vista ambiental e excludente do ponto de vista social”, nota o ambientalista Mauro Scarpinatti, assessor da ONG Espaço de Formação Assessoria e Documentação e membro do coletivo Aliança Pela Água, que reúne mais de 40 entidades.
“Por outro, a crise foi agravada pela irresponsabilidade dos governos, sobretudo do Goveno do Estado de São Paulo, que tem responsabilidade direta no caso”, continua Scarpinatti.
Para a bióloga e educadora social Simone Bazarian, que desde 2011 desenvolve projetos no Grajaú com o coletivo Imargem, o grande problema não é que não tem água, e sim a poluição das mesmas, falta de políticas públicas de gestão dos recursos, a não preservação de mananciais e a permissão de consumo em alta quantidade de água tratada por grandes empresas. “A questão central dessa crise hídrica são as decisões políticas dos nossos governantes, principalmente do governo estadual, que por escolha mantém a rede de tubulação com 30 a 40% de desperdício na distribuição de água”, diz ela.
Scarpinatti lembra que a ameaça de colapso existe desde 1980 e, em 2003, a Agência Nacional das Águas (ANA) alertou para a redução da dependência do Sistema Cantareira. Os riscos são muitos: a proliferação de doenças por armazenamento inadequado de água (dengue, chicungunya, diarreia, etc); suspensão de aulas; aumento do preço de alimentos; e até conflitos, como os que ocorreram ano passado em Itu, no interior de São Paulo.
Cachoeira do Jamil, em Parelheiros, é formada pelo rio Capivari. (Foto: Paula Lopes Menezes)
Diante da atual conjuntura, Scarpinatti defende medidas de redução de consumo, reúso da água e construção de cisternas. Mais do que isso, para proteger importantes mananciais como os rios Capivari e Embu-Mirim, ele é a favor de conter a ocupação dessas áreas por novos moradores.
Esses dois rios estão localizados no Extremo Sul de São Paulo, região com forte ocupação a partir da década de 1960 – principalmente por operários que trabalhavam nas indústrias de Santo Amaro.
Para tentar frear novas moradias, em 1976 o governo paulista instituiu Lei de Proteção aos Mananciais. Mas a fiscalização ineficiente teve efeito contrário: as terras desvalorizadas facilitaram a ação de grileiros, que vendidam lotes baratos a trabalhadores de baixa renda. Entre 1960 e 2000, a população da Capela do Socorro passou de 30 mil para quase 600 mil habitantes – alta de 2000%.
“Os impactos dessas ocupações em toda a bacia hidrográfica inclui a eliminação da cobertura vegetal, que provoca a morte de nascentes e deixa o solo exposto. Este solo é carregado pelas enxurradas junto com lixo, entulho e esgoto para dentro dos rios, córregos e represas, provocando o assoreamento e a poluição das águas”, explica Scarpinatti.
Não dá pra culpar a população, diz ele. Essas pessoas vieram para a região por falta de políticas públicas eficazes de planejamento urbano. Como é praticamente impossível remover milhares de famílias, o ambientalista clama por políticas habitacionais urgentes no centro expandido da capital.
Para Simone, a única solução é aproveitar esse encontro entre a expansão urbana acelerada e as áreas naturais das margens da cidade e propor um programa público de assentamentos humanos mais sustentáveis nesta região. “Empoderando as populações locais para o manejo dessas área e servir de exemplo de que é possível sim, conciliar seres humanos e natureza, mesmo em contextos urbanos”, conta ela.
“As pessoas precisam ser mais autônomas em relação às suas necessidades e não depender tanto do sistema público. A permacultura oferece uma visão integral das necessidades humanas de forma que mesmo nas residências urbanas é possível se ter mais autonomia em relação á água, alimentos, reciclagem dos materiais orgânicos gerados na casa, do reuso de águas de pia, chuveiro e lavanderia até a produção de energia elétrica”, continua Simone.
Também deve-se controlar novas ocupações e impedir obras como a do Aeroporto de Parelheiros. O aeródromo de 4 milhões de metros quadrados, pista de 1,8km e capacidade para 156 mil pousos e decolagens seria construído próximo rio Embu, que abastece a represa Guarapiranga. O rio nasce no Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra Mar, onde também fica a nascente do Capivari.
Remanso da cachoeira de Marsilac, formada pelo rio Capivari.
(Foto: Paula Lopes Menezes)
No Extremo Sul, também ficam quatro parques naturais municipais (Bororé, Itaim, Jaceguava e Varginha) e duas APAs (Bororé-Colônia e Capivari-Monos), que ajudam a manter o equilíbrio e preservar nascentes.
“Essas unidades de conservação áreas são de fundamental importância para a preservação dos mananciais Billings e Guarapiranga e para a produção de água. Do mesmo modo, são a implantação de áreas verdes como os parques lineares ou Áreas de Proteção Ambiental (APAs)”, nota Scarpinatti.
Não por acaso, muitos moradores da região retiram água da bica ou furam poços para captação. A Aliança Pela Água defende a análise dessas fontes para informar corretamente população sobre as possibilidades de uso. Medidas como essa e a despoluição da Billings são medidas mais racionais e baratas do que a busca por água em lugares cada vez mais distantes.
Sim, ainda existe água em SP. Mas a preservação, além dos esforços de toda a população, passa pelos gabinetes das autoridades.
“Mas a Sabesp sempre preferiu administrar a oferta de água e vender até a última gota d’água que houver. Assim terá maior lucro e distribuirá maiores dividendos aos seus acionistas”, conclui. Scarpinatti.
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Thiago Borges