Girando o mundão por mais de um mês atrás de vaga em escolas da zona Sul, finalmente Ana Carolina do Carmo vai tá suave no último final de semana antes do início do ano letivo, nesta segunda (15/02), quando mais de 3 milhões de estudantes da rede estadual paulista voltam às aulas.
A jovem de 18 anos foi uma das secundaristas que tomaram a ETEC Jardim Ângela em novembro do ano passado, uma das mais de 200 escolas ocupadas por alunos em São Paulo contra a “reorganização” imposta pelo governador Geraldo Alckmin que fecharia 94 unidades e deixaria mais de 700 com apenas um ciclo de ensino, afetando mais de 300 mil estudantes.
“O sistema das ETECs tem que acabar, porque são escolas públicas que servem ao interesse privado”, aponta Ana Carolina, que ocupou a unidade por ser contra o modelo que substituiria algumas das escolas convencionais fechadas pelo governo. “O problema é que a maioria dos alunos da ETEC se esquece que tá na periferia e acredita na meritocracia, que foram eleitos pra estar lá”.
Pressionados nas ruas do bairro e redes sociais pela direção, professores, pais e outros alunos, Ana e seus colegas resistiram por menos de duas semanas. Decidiram desocupar a escola após sofrerem ameaças de criminosos locais, perseguições de motoqueiros e uma tentativa de atropelamento. Com uma ação judicial, ela e os demais estudantes concluíram o ano letivo em casa.
No início do ano, Ana decidiu se transferir da ETEC mas enfrentou obstáculos da coordenação para conseguir seus documentos. Tentou ingressar na EE José Lins do Rego, escola de referência na região do M’Boi Mirim, onde foi barrada pela suposta falta de vagas. E, somente na última quinta-feira (11/02) ela conseguiu efetivar sua matrícula na EE Alberto Conte, em Santo Amaro.
Assim como a ETEC Jardim Ângela, o Lins e o Conte não seriam fechados pelo governo mas também foram ocupados por seus estudantes.
“A escola poderia ser afetada porque outras unidades da região teriam ciclos fechados e ocasionaria a superlotação”, diz Jean Sousa, 18, morador de Cidade Ipava, que concluiu o Ensino Médio no Lins no ano passado.
“Eu decidi participar não foi por mim e, sim, pelas próximas gerações, porque eu sei o que eu passei com o ensino decaindo ano a ano”, completa Estela Reis Rodrigues, 16, moradora do Morro do Índio e que inicia o terceiro ano na mesma escola.
“Ocupei por querer melhorias no ensino num sentido geral, pra galera que ainda não terminou a escola e pra galera que nem começou a escola”, diz Cauê Victor Trindade, 16, morador da Pedreira, que inicia o terceiro ano no Conte.
Escola de ciclo único, o Conte seria destino provável de estudantes de outros colégios da região que teriam o Ensino Médio encerrado, como é o caso da EE Maria Petronila, onde alunos também se mobilizaram e ocuparam.
No dia 14 de novembro, o Dia E instituído pelo governo para ‘explicar’ a reorganização, Polícia invadiu e agrediu alunos e professores que ocupam a EE José Luis do Rego, no M’Boi Mirim. (Reprodução: WhatsApp)
Pra quem desacreditava, Ana, Jean, Estela, Cauê e milhares de estudantes abalaram Alckmin, que em 04 de dezembro atendeu uma decisão judicial e adiou a reorganização escolar para 2017. A promesa do governador para 2016 era “aprofundarmos os diálogos”. A ideia não colou entre os secundaristas, como apontamos aqui.
Mais um brinde pros recalcados: o então secretário da educação Hermann Voorwald caiu após cinco anos no cargo, assim como seu chefe de gabinete Fernando Padula, denunciado no escândalo de desvio de verba da merenda.
Como esperado, era cedo demais pra comemorar com o “famoso sinal do Ronaldinho” cantado por MC Bin Laden.
Anunciado em janeiro, o novo secretário escolhido para a pasta é o desembargador
José Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo que chegou a comparar o idealismo “admirável” do grupo terrorista Estado Islâmico ao “vazio de ideias” que existe no Brasil.
Para defender o projeto barrado pelos secundaristas, Nalini vai contratar celebridades do Youtube para fazer propaganda da proposta entre os adolescentes e tentar girar postagem, girar comentário favorável ao tema.
Enquanto isso, a reorganização escolar acontece na surdina antes mesmo da volta às aulas.
Um levantamento feito pela Apeoesp (sindicato que representa os professores da rede estadual em São Paulo) aponta o fechamento de pelo menos 913 salas em 39 regiões de todo o Estado (
veja lista completa aqui). Em 2015, 3.390 salas já tinham sido fechadas.
O Conte terá quatro classes encerradas, enquanto o Lins fechará seis delas.
Em toda a zona Sul de São Paulo, 73 classes serão fechadas sendo: dez na EE Vicente Leporace, sete na EE Raul Poleto, seis na EE Luís Magalhães, seis na EE Antônio Manoel Alves de Lima, três na EE Eulália Silva (todas no Jardim Ângela); cinco na EE Afrânio de Oliveira (Jardim Icaraí); nove na EE Herculano de Freitas (Alto do Riviera); dez na EE Levi Carneiro (Jardim Mirna); duas na EE Norberto “Mazza” (Jardim São Luís); cinco na EE Moraes Prado (Grajaú); e duas na EE República do Panamá (Vila das Belezas).
Parado no tempo não posso ficar
Depois de uma vitória expressiva no final de 2015 e um cenário incerto que se desenha, os secundaristas começam o novo ano letivo com diferentes expectativas.
Ana Carolina do Carmo, 18 anos, girou o mundão pra conseguir se transferir da ETEC Jardim Ângela.
“A gente fazia reunião todo dia, aprendeu várias coisas novas, chamou grupo de teatro, fez sarau. A ocupação ensinou mais do que uma semana de aula”, diz Lucas Bezerra Lacerda, 15 anos, que mora no Campo Limpo e vai cursar o primeiro ano do Ensino Médio na EE Maria Petronila, onde alunos cortaram o mato alto, plantaram uma horta e realizaram diversas oficinas. “Eu espero que a diretora comece a ouvir os alunos, porque ela ou diz que tá ocupada ou faz pouco caso da gente”.
Sua colega Nicolly Cecília, 14, pretende integrar uma nova chapa do grêmio estudantil. “Os jovens não estão mais dormindo”, conta ela, que mora no Parque do Lago, região do Jardim Ângela.
“Todo mundo, querendo ou não, teve uma aula de convivência em sociedade, quando uma pessoa ficava na cozinha, outra limpando o banheiro, outra cuidando da comunicação”, ressalta Cauê, que estuda no Conte. “Em 2016, eu espero que todas escolas se tornem ambientes mais culturais, como a gente via acontece quando estavam ocupadas”.
Beatriz Oliveira da Silva, 16, deseja uma atenção maior aos problemas estruturais. “Espero que o governo se concentre mais no colégio, porque os alunos são o futuro e, pra ter um futuro bom, tem que ter uma infraestrutura boa também”, diz a moradora do M’Boi Mirim que também estuda no Conte.
Os secundaristas do Lins conseguiram algumas melhorias, como a troca de lâmpadas, adequação da rampa de acesso e a compra de um fogão novo. Na desocupação da escola, eles protocolaram uma carta na Secretaria da Educação com uma série queixas referentes às instalações, alimentação e uso de espaços como biblioteca e sala de informática.
No entanto, eles reconhecem que o Estado está mais preparado para reprimir e que precisam intensificar a luta. Afinal, parado no tempo não podem ficar.
“As pessoas conhecem a causa e apoiam, mas não entendem que a reorganização continua acontecendo”, alerta Jean, ex-aluno do Lins. “O ano mal começou e temos mais um problema: o fechamento de seis salas do primeiro ano”, completa Estela.
Ana Carolina, perseguida na ETEC e prestes a ingressar no Conte, também não espera massagem para os estudantes: “Não vai ser um ano tranquilo, tanto individual quanto coletivamente. Mas agora temos uma rede entre alunos de diferentes escolas para se comunicar e barrar qualquer medida”.
É, não tá tranquilo, como diz o MC. Mas 2016 pode ser favorável para a continuidade da luta dos secundaristas.
Thiago Borges