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Consciência Negra: Onde está Palmares hoje? – Periferia em Movimento
(Foto: Divulgação Abayomi Aba)

Oficina de tranças. (Foto: Divulgação Abayomi Aba)

Zumbi vive. E sua companheira Dandara também.
O dia da Consciência Negra lembra 20 de novembro de 1695, quando Zumbi foi morto e decaptado pela capataz paulista Domingos Jorge Velho.
Ele foi líder do mais conhecido dos quilombos – Palmares, em Alagoas – que resistiu entre 1580 e 1715 com um sistema político-econômico próprio e mais de 30 mil habitantes em seu apogeu.
“Mas essa resistência não começou antes nem terminou depois da morte de Zumbi”, nota Paulo Rudo, historiador e professor da rede pública. “Quem é Zumbi atualmente? Quem é Dandara em 2015? Onde está Palmares hoje?”, questiona a também historiadora Juliana Serzedello.
No último sábado (14/11), as vozes que ressoam nesta reportagem falaram sobre o assunto na nona edição do Abayomi Aba Pela Juventude Negra Viva, realizado pelo coletivo de mesmo nome na região de Parelheiros, Extremo Sul de São Paulo.
Espaços organizados continuam presentes e as próprias periferias são locais de resistência. Porém, três séculos depois da queda de Palmares e após fugas e diversas revoltas que forçaram a Abolição da Escravatura em 1888, o sonho de liberdade ainda não se concretizou por completo e o genocídio continua.
Dos 16,2 milhões de pobres existentes no Brasil em 2010, 11,5 milhões eram afrodescendentes, segundo o IBGE. Negros estudam em média 6,2 anos, contra 7,2 dos não-negros. Entre os analfabetos, somam 69%.
Não por acaso, as vítimas da violência têm cor e classe social. Anualmente, mais de 50 mil pessoas morrem vítimas de homicídio no Brasil – mais da metade tem entre 15 e 29 anos, e desse total 77% são negros, segundo o Mapa da Violência de 2012.
“A questão étnico-racial é uma história da negação da nossa própria história. É difícil lidar com a escravização, com o estupro colonial, com a desqualificação do corpo negro”, aponta Uvanderson Vitor da Silva, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

(Foto: Divulgação Abayomi Aba)

Representação sobre redução da maioridade penal com participantes do Circo Escola Grajaú. (Foto: Divulgação Abayomi Aba)


Quando se faz o recorte de gênero, o abismo se acentua. “Falar de mulher no nosso país machista é um assunto que incomoda. Falar de racismo é pior ainda. E falar das mulheres negras, então, você imagina…”, explica Marli Aguiar, da Marcha das Mulheres Negras, que reuniu mais de 30 mil pessoas em Brasília no dia 18.
Atualmente, o Brasil tem cerca de 50 milhões de mulheres negras. Entretanto, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), elas ganham em média 40% menos que os homens brancos com a mesma qualificação. O acesso à saúde também é precário: 80% dos atendimentos a negros no país se dão pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e 46,3% das mulheres negras nunca fizeram exame de mama, contra 28,7% de mulheres brancas.
A edição mais recente do Mapa da Violência também aponta que o índice de homicídios contra a mulher negra vem aumentando (54% em 10 anos), enquanto diminuiu 10% contra as brancas. Confira no link.
E a violência começa cedo. Em 2015, coletivos feministas do Grajaú denunciaram a exposição de fotos íntimas e xingamentos de meninas da região nas mídias sociais.
O “Top 10” é um cyberbulling praticado por meninos e algumas meninas contra outras adolescentes e consiste em fazer montagens de fotos das vítimas classificando-as como “as 10 mais vadias”. Os vídeos circulam pelos celulares nas escolas, viralizam no WhatsApp e ganharam as ruas com pixações. Adolescentes abandonaram as aulas, enquanto quatro delas se suicidaram na região.
(Foto: Divulgação Abayomi Aba)

Debate sobre o genocídio. (Foto: Divulgação Abayomi Aba)


Para Érika Santana, do Mulheres na Luta, lembra que o feminismo periférico e negro tem suas demandas negligenciadas. Por isso, ela e outras militantes abordam o tema em colégos públicos e participam de audiências públicas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Em uma dessas ocasiões, ouviram do deputado Coronel Telhada (PSDB) a defesa da punição e detenção imediata dos meninos envolvidos. Entretanto, isso traz à tona outra repressão com CEP definido: a redução da maioridade penal.
Bruna Leite, advogada do Cedeca Interlagos e da Frente de Luta contra a Redução, lembra que os adolescentes são as principais vítimas – e não executores – da violência. Além disso, a principal causa de apreensão de adolescentes é o tráfico de drogas. “Mas a gente sabe que o menino que é pego aqui fumando um cigarrinho, ele é levado como traficante, enquanto nos Jardins é tratado como usuário”, diz ela. “A redução é um plano higienista”.
Memória e resistência contra o genocídio físico e simbólico
“O genocídio tem a ver com a morte física, concreta, mas também é simbólico porque o estado não reconhece nossa história”, observa Monica Mendes Gonçalves, que pesquisa as relações entre saúde, racismo e sociedade.
Alê Almeida se descobriu negra aos 17 anos, na fala de outra menina. “Tem duas coisas que nós não podemos mudar: a cor da pele e o sexo”, diz ela, que hoje faz parte coletivo Pretas do Poder.
“A gente nasce tendo que negar nosso corpo negro e, quando falamos de nariz preto ou boca de preto, é porque a pessoa estava passando por um processo de embranquecimento mas sobrou um resquício”, complementa Uvanderson.
A historiadora Viviane Lima ressalta a relação entre racismo e intolerância religiosa, com a imposição do Cristianismo aos povos tradicionais da África e da América. “Claro que havia um choque cultural, mas antes disso tem um objetivo político e econômico na imposição da religião pois isso descaracteriza o ser humano”.
Nesse sentido, o sincretismo religioso foi uma forma de resistência encontrada pelos escravizados africanos para manter os preceitos aos orixás das religiões de matriz africana.
Já os indígenas resistem há cinco séculos a um genocídio que diminuiu sua população a menos de um milhão de pessoas.
“Os negros estão à margem da história, mas os índígenas foram apagados. Somos tratados como povo que existia antes de Cabral descobrir o Brasil em 1500. Mas o Brasil não foi descoberto, e sim invadido planejadamente”, conta Porã, vice-diretora da escola estadual indígena da aldeia guarani Tenondé Porã, em Parelheiros.

“Nossa história e o modo como ela é contada têm a ver com a nossa identidade. E tem uma memória nessa passagem. Mas qual a possibilidade de construir uma identidade positiva quando a memória que se tem é negativa e foi construída por quem queria me destruir?”, questiona Mônica.
Por isso Olívio Jekupé, indígena guarani que vive na aldeia Krukutu, em Parelheiros, começou a escrever há 30 anos. “Tá cheio de líder indígena que luta no Brasil há mais de 500 anos, mas não está na história porque quando você mata um índio você mata a história dele junto”, salienta.
Apesar de existirem pelo menos 230 povos indígenas falantes de 180 idiomas de cinco troncos linguísticos, os índios brasileiros continuam invisibilizados e correm risco com a aprovação da Proposta de Emenda Complementar 215. A PEC transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional (ocupado por ruralistas) a responsabilidade sobre a demarcação das terras de todos os povos tradicionais, inclusive os quilombolas.
Palmares, hoje, inclui não só os negros, como também indígenas e periféricos que seguem desafiando todas as formas do genocídio. “Brancos pobres não são nossos inimigos. Temos que somar e olhar as especificidades nessas lutas”, diz Marli, da Marcha das Mulheres Negras. “A gente está lutando contra esse país que não cansa de nos tirar a humanidade”, completa Uvanderson.

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