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No extremo sul, a cultura pulsa e o incentivo falta – Periferia em Movimento

No extremo sul, a cultura pulsa e o incentivo falta

da Vai da Pé
Infografia: Periferia em Movimento/Foto em destaque: Patricia Iglecio
Os coletivos Periferia em Movimento e Expressão Cultural Periférica apresentaram recentemente um documento inédito, o “Cultura ao Extremo”. O projeto, feito com apoio do programa Agente Comunitário de Cultura, da Prefeitura de São Paulo, realizou um mapeamento dos grupos culturais que atuam na região do extremo sul paulista, englobando os distritos de Cidade Dutra, Grajaú, Marsilac, Parelheiros e Socorro.
Segundo o levantamento, a ideia é “apresentar um recorte da diversidade cultural da região, contribuir para a compreensão das manifestações, bem como seus impactos e dificuldades, fortalecer a articulação local entre os agentes e reivindicar políticas públicas específicas para estes grupos”.
O Cultura ao Extremo foi apresentado em outubro, durante encontro do Fórum de Cultura do Grajaú, entidade criada em 2013 que organiza reuniões para deliberar questões comuns aos agentes culturais da região. Com base no documento, os integrantes do Fórum iniciaram a elaboração de um texto-manifesto, levantando demandas e cobrando maiores incentivos por parte do poder público.
O jornalista Thiago Borges, do Periferia em Movimento, é um dos idealizadores do mapeamento. “A ideia é que os agentes culturais da região se apropriem dessas informações que estão no documento, tanto para pensar estratégias de atuação dos próprios coletivos, quanto para pensar projetos conjuntos e elaborar reivindicações”, considera.2
O mapeamento apontou ao menos 168 agentes culturais atuando no extremo sul de São Paulo, isso somente nos grupos que conseguiram ser identificados. “A gente sabe que o número é muito maior, porque teve muita gente que nós não conseguimos acessar. É um trabalho extenso, feito por duas pessoas ao longo de um ano, com recursos limitados. Então nos baseamos principalmente na nossa rede”, afirma Thiago.
A pesquisa aponta que a falta de recursos financeiros é o principal empecilho à manutenção dos projetos. Mais da metade dos coletivos que responderam a pesquisa, por exemplo, não tem fomento público. “Eles se viram como podem, por doação, tirando do próprio bolso, vendendo produtos ou serviços”, conta.
Para Thiago, apesar dos “pequenos avanços” conquistados na gestão do Prefeito Fernando Haddadd (PT), as verbas destinadas aos fazedores de cultura dos extremos da cidade são irrisórias se comparadas aos outros orçamentos do mesmo segmento. “O que dá para ver é que existe uma mudança de postura da Prefeitura, mas é uma mudança que é resultado de muita luta. Ainda assim, é muito pouco. Se você considerar só a questão geográfica, têm mais de 8 milhões de pessoas que moram na periferia de São Paulo”, questiona.

O investimento na cultura da quebrada

Os investimentos de 2015 nos três principais programas de incentivo à cultura na periferia de São Paulo – o Agente Comunitário de Cultura, VAI e Pontos de Cultura, todos da Secretaria Municipal de Cultura – somam um total de aproximadamente R$ 20 milhões. O programa Pontos de Cultura tem mais R$ 6 milhões provenientes de recursos federais.
Por outro lado, somente o Theatro Municipal de São Paulo recebeu, em 2015, um montante de R$ 92 milhões. A Secretaria de Cultura encaminhou à Vaidapé uma nota esclarecendo que:

É importante considerar, por exemplo, que o orçamento da Fundação Theatro Municipal de São Paulo, além de atividades que acontecem no próprio local, tem ainda ações descentralizadas como é o caso do programa Municipal na cidade. Em 2015, por exemplo, investimos R$ 12,4 milhões em programação cultural no programa Circuito Municipal de Cultura, que tem palcos e atrações culturais em toda a cidade, como as Casas de Cultura, CEUS, teatros, centros culturais e palcos externos.”

Ainda assim, Thiago faz alguns questionamentos: “Pelo o que eu vejo, ainda existe uma visão muito de cima para baixo. Mesmo quando se diz que o Theatro Municipal tem uma verba de R$ 92 milhões e R$ 12 milhões deste total são destinados para o Circuito Municipal de Cultura, é importante pensar: Quem decide como que essa verba vai ser gasta? Qual a participação que nós temos na decisão de como essa verba vai ser gasta? É o Theatro Municipal que decide quem é que vai ser escolhido para se apresentar no circuito?”, pondera.
Ele conta que o diálogo começa a ser aberto na discussão da “Lei de Fomento às Periferias”, que está em processo de formulação e visa institucionalizar as políticas municipais de incentivo.  “O que a gente vê nessa gestão é que existe um avanço. Mas e se ano que vem entra uma gestão muito mais conservadora? Será que eles vão garantir que programas que não estão regulamentados por lei, como o Agente Comunitário, o VAI, entre outros, continuem acontecendo?”, questiona Thiago, reiterando que as verbas são baixas se comparadas as demandas da periferia.

Imagina se o Datena entra na Prefeitura. A gente fica zuando, dizendo que ele vai pegar a grana de incentivo à cultura e investir em câmera de vigilância na cidade. Mas aí o que a gente faz? Vai todo mundo trampar em telemarketing?”
— Thiago Borges, do Periferia em Movimento

Thiago brinca com a possibilidade de eleição de candidatos como o apresentador de TV José Luiz Datena na disputas eleitoras do ano que vem. “Eu acho que ele não entra, eu espero que não. Mas, suponhamos que ele entre. A gente fica zuando, dizendo que ele vai pegar essa grana e vai investir em câmera de vigilância na cidade. Mas aí o que a gente faz se isso acontecer? Vai todo mundo trampar em telemarketing? A nossa luta é isso. É fazer aquilo que acreditamos, aquilo que gostamos, disputando imaginários em um momento em que as vozes conservadoras estão ganhando cada vez mais força”, coloca.
Atualmente, além de não serem garantidos por lei, os projetos de incentivo à cultura na periferia não fazem recortes que deem prioridade, por exemplo, às mulheres e populações indígenas. Para os índios que estão na cidade de São Paulo, o único programa de fomento é o Aldeias, que entre maio de 2014 e dezembro de 2015, teve investimento de R$ 1,139 milhão.
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“Esse programa é voltado somente para as aldeias Guarani, sendo que a gente sabe que a maioria da população indígena que vive em São Paulo não está nas aldeias. E mesmo para as aldeias esse investimento ainda é baixo. O território deles é muito pequeno e eles não conseguem plantar,  não conseguem tirar o sustento da terra. Dependem de doações, de Bolsa Família, ou da venda de artesanatos “, afirma Thiago, pontuando que a grande maioria da população vive em favelas e quebradas, invisibilizados pelo poder público e sem poder usufruir desses recursos.
Segundo o censo 2010 do IBGE, dos quase 13 mil indígenas que estão na cidade de São Paulo, cerca de 2 mil residem efetivamente em aldeias. O resto da população está pulverizada em outras regiões da cidade, em decorrência da falta de terras.
O organizador da pesquisa também coloca que as demandas da periferia vão muito além dos repasses financeiros da prefeitura. “Nós falamos do orçamento porque essa diferença é gritante, mas vai muito além disso. Eles podem colocar R$ 50 milhões para o VAI. Mas como é decidido quem vai receber esses recursos? Que recortes são feitos? Quem decide quais são as manifestações que devem ser mais privilegiadas? Quem fica de fora disso tudo? Eu acho que a discussão passa por ai. É isso que a gente tem que discutir”, conclui.

Quem faz cultura no extremo sul?

Para elaboração do “Cultura ao Extremo”, foram utilizados dados de diferentes programas de fomento de órgãos públicos, alguns mapeamentos prévios, realizados pelo Sesc Santo Amaro e Instituto Pólis, informações obtidas com os CEUs da região e indicações feitas no boca a boca.
Além disso, foi enviado um questionário online aos 168 agentes identificados. Destes, apenas 68 responderam. Ainda assim, foi possível conseguir uma boa amostra sobre quem faz cultura no extremo sul de São Paulo.
Utilizando as repostas do questionário, o levantamento identificou ao menos 281 pessoas atuando na região, em um grupo majoritariamente masculino, com cerca de 75% de homens.
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O leque de linguagens utilizadas é grande: grafite, dança, artes visuais, rap, funk, samba, saraus, circo, audiovisual, artesanato e oficinas são apenas alguns dos formatos que surgiram na pesquisa. As 5 temáticas mais recorrentes estão nos campos de arte e cultura, culturas populares, direitos humanos, educação e cultura afro-brasileira.
| O Periferia em Movimento e o Expressão Cultural Periférica pretendem dar continuidade ao mapeamento, atualizando suas informações. Para responder o questionário elaborado e ajudar na pesquisa, clique aqui
O público alvo das iniciativas são os jovens, entre 18 e 29 anos, apesar de muitas dizerem abarcar pessoas de outras faixa-etárias. A maior parte da articulação dos movimentos se dá com artistas, líderes comunitários, movimentos sociais e escolas. As divulgações dos trabalhos, por sua vez, são feitas em diferentes plataformas. O boca a boca é a mais comum, presente em todos os grupos que responderam ao questionário. A internet também é um instrumento de força: 63 dos 68 fazem a divulgação de suas atividades e projetos por meio de páginas no Facebook.

Mas quem?

O “Cultura ao Extremo” também publicou 13 reportagens sobre pessoas e coletivos que responderam ao questionário. Os depoimentos dados dão um tom mais realista a algumas das questões que o levantamento aponta.
Rafael Adalbozo, integrante do Expresso Perifa, grupo de rap do Grajaú, exaltou a cultura periférica, que exala na zona sul: “Teve show que nem água tinha pra gente tomar (…) Apesar disso, as pessoas já sabem que com uma tenda e duas caixas de som nós já criamos um movimento. Não precisamos sair da nossa quebrada para nos divertirmos ou ter acesso à cultura de qualidade”.

Não precisamos sair da nossa quebrada para nos divertirmos ou ter acesso à cultura de qualidade”
— Rafael Adalbozo, do Expresso Perifa

Jair Santos, presidente da escola de samba Em Cima da Hora, também demonstrou a importância dos movimentos de cultura na região. “O Jardim Marilda [bairro localizado no distrito do Grajaú] é um bairro dormitório. As pessoas saem de manhã para trabalhar e voltam à noite. Então, enquanto organização, somos nós que temos que dar a cara à tapa”, afirma.
Sidineia Chagas trabalha a cultura de outra forma. Idealizadora do Escritureiros, projeto de incentivo à leitura da região de Parelheiros, Sidineia conta um dos motivos que a levaram a tocar a iniciativa: “Na escola mesmo, eles [administradores] diziam que só podia entrar na biblioteca se fosse fazer alguma pesquisa ou trabalho escolar. Então, como eu ia ter contato com o livro? Precisaria ir numa livraria no centro e comprar um? O problema é que aqui as pessoas mal têm dinheiro pra pagar a passagem”.
Para conferir todas as reportagens produzidas pelo Periferia em Movimento para o “Cultura ao Extremo”, clique aqui

“Queremos circular em locais de resistência no Extremo Sul, como eram os quilombos, e associar a organização de ambos os espaços, onde se criam estratégias de sobrevivência”
— Kléber Luis, do Coletivo Malungo

Em outra reportagem, o capoeirista, músico e professor, Alan Zas, completa o ponto colocado por Kléber. Para ele, “apesar de [a luta] trazer a questão tradicional e as nossas raízes, hoje, a capoeira Angola é praticada principalmente por pessoas de classe média. Então, trazer para o Grajaú é um meio para que haja a reapropriação dessa expressão cultural por nós, marginalizados, daquilo que já é nosso”.

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