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Volta às aulas: Como ficam as merendeiras e auxiliares de limpeza? – Periferia em Movimento

Volta às aulas: Como ficam as merendeiras e auxiliares de limpeza?

Por Julia Vitoria. Colaborou Thiago Borges

Renata* começou o ano novo tomando decisões difíceis. Chefe de limpeza em uma escola municipal no Grajaú, Extremo Sul de São Paulo, ela já estava apreensiva com a retomada das atividades presenciais depois de cerca de 11 meses com as aulas suspensas por causa da pandemia. Na noite de 8 fevereiro, ela e seus subordinados receberam uma mensagem da empresa terceirizada responsável pela limpeza da EMEF convocando todos os trabalhadores a comparecerem à escola. Depois de um dia inteiro de trabalho, Renata foi avisada de que precisava diminuir sua equipe de 9 para apenas 4 funcionários. No dia seguinte, uma nova ordem: reduzir ainda mais, ficando com apenas 3 pessoas.

O que fazer nessa situação? Diante da volta às aulas em escolas estaduais e municipais da cidade de São Paulo, professores, estudantes e suas famílias têm debatido prós e contras. E a Periferia em Movimento foi atrás de quem geralmente não aparece nessa discussão, mas tem importância fundamental para o funcionamento da comunidade escolar: merendeiras, auxiliares de limpeza e agentes de organização escolar. 

No geral, a sensação é de um vazio de informação e as decisões têm sido individuais, apesar dos protocolos de segurança detalhados que foram elaborados tanto pelo Governo do Estado (acesse aqui) quanto pela Prefeitura de São Paulo (acesse aqui).

Entre as determinações, estão a higienização de prédios, salas e superfícies como mesas e carteiras antes do início de cada aula e a cada troca de turno. A cada 3 horas, funcionários devem fazer limpeza de banheiros, lavatórios e vestiários. As salas devem ser ventiladas pela manhã, antes da chegada de estudantes, assim como no recreio, na hora do almoço e durante a noite. A equipe de apoio deve organizar e supervisionar a lavagem das mãos antes e após cada refeição e a cada ida ao banheiro, assim como organizar limitar número de pessoas nos sanitários.

Renata não deu conta.

“Eu sentei, conversei com minha equipe, expliquei… Eles falaram que não iam ficar porque uma escola que acolhe crianças de 8 até seus 16 anos não tinha condições de ter 3 pessoas na limpeza”, diz Renata, que também se viu obrigada a pedir demissão. A EMEF em que trabalhava atende 750 crianças e adolescentes matriculados por período. “Estou saindo com o coração partido, porque as crianças se tornam parte da nossa família”, diz.

Com 35 anos de idade, Renata está há uma década nesse ramo, sendo metade na mesma escola. Agora desempregada, ela se vê sem renda segura para sustentar a casa em que vive com a mãe de 59 anos e os filhos de 10 e 17 anos. Mas o medo da doença é maior. No ano passado, mesmo com a escola fechada, ela continuou trabalhando. Os auxiliares de limpeza se revezavam nas tarefas. Nessas idas e vindas, Renata pegou covid-19. Isso fez com que ela ficasse ainda mais assustada com a volta às aulas – na escola dos filhos, por exemplo, a equipe de limpeza também foi reduzida. 

A esperança da trabalhadora é de que a Prefeitura de São Paulo volte atrás na diminuição dos funcionários – segundo ela, todo ano quando uma empresa substitui outra na licitação, os empregados entram em aviso prévio até que uma nova companhia assuma a prestação de serviço e recontrate todos eles. 

“Querem colocar a escola para funcionar, mas vão retirar os funcionários que trabalham lá. Eles falam tanto do desemprego e são eles que fazem isso com a gente”

Renata, ex-chefe de limpeza em EMEF no Extremo Sul de São Paulo

Falta equipe pra cumprir protocolo

A retomada das aulas presenciais na rede municipal paulistana estava prevista para esta segunda-feira (15/2), mas a realidade é que muitas salas continuaram fechadas. Enquanto 3,4 mil escolas reabriram as portas para mais de 1 milhão de estudantes (com ocupação de 35% da capacidade máxima), outras 530 unidades sem equipes de limpeza estão apenas com aulas on-line e só receberão os alunos entre 22 de fevereiro e 1º de março, segundo a Secretaria Municipal da Educação (SME). É o caso de outra EMEF, a Millôr Fernandes, no Campo Limpo (zona Sul de São Paulo), que segue fechada.

✳️ COMUNICADO URGENTE ✳️ Por determinação de SME, o retorno às aulas mudou para 22/02/21. Voltaremos a informar o…

Publicado por EMEF Millôr Fernandes, Jornalista em Domingo, 14 de fevereiro de 2021

Em nota enviada à Periferia em Movimento, a SME diz que as medidas de segurança foram elaboradas em parceria entre as áreas técnico-pedagógicas e a área da saúde. A pasta também diz que encaminhou o protocolo para as equipes se prepararem e cumprirem as medidas sanitárias. A Prefeitura diz que gastou R$ 571 milhões em reformas e compra de equipamentos para garantir a retomada segura das atividades, incluindo reformas para adaptação e compra de 760 mil kits de higiene (sabonete líquido, copo e nécessaire), 2,4 milhões de máscaras de tecido, 6,2 mil termômetros e 75 mil protetores faciais (face shield).

Já na rede estadual, as aulas retomaram na semana passada (dia 8/2) em 5,1 mil escolas de todo Estado de São Paulo – 800 delas só na capital paulista. A ocupação varia de 35% a 70% da capacidade máxima, dependendo da região. A Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP) diz ter comprado 12 milhões de máscaras de tecido, 440 mil face shields, 10 mil termômetros a laser, 10 mil totens de álcool em gel, 221 mil litros de sabonete líquido, 112 mil litros de álcool em gel, entre outros itens. 

Porém, não bastam materiais e medidas se o cumprimento do protocolo se torna quase impossível no dia a dia. 

É o que Simone* tem experimentado. A auxiliar de 46 anos trabalha em uma escola estadual no Tucuruvi (zona Norte de São Paulo) onde apenas ela e outra colega são responsáveis pela limpeza de toda a unidade. Com a pandemia, ela teve a carga horária e o salário reduzidos, nem recebeu treinamento sobre os protocolos de segurança.

“Nós ficamos na linha de frente para pegar a covid, porque nós somos responsáveis pela limpeza geral, banheiro, chão… E fora que, se a gente pegar a covid, fica ferrada. A empresa tira o corpo fora, não quer nem saber. Nem pagar um exame eles pagam. A direção da escola já chamou eles para fazer um teste na gente e nem isso eles fazem”, conta Simone. 

Apesar do que foi divulgado pelo Governo do Estado, ela diz que a máscara que utiliza no trabalho foi ela mesma quem comprou. “Mandaram 2 luvas para cada uma. Aquela outra luva fininha eles não mandam, que devíamos usar por baixo da luva grossa,” conta. 

Enquanto isso, no município de Cajamar (região metropolitana de São Paulo), uma merendeira que não quis se identificar reclama da disponibilidade dos materiais.

“Chegamos na escola, eles falam que está tudo preparado, mas o que falam na TV não condiz com a realidade. Tem álcool em gel na entrada para o pessoal que faz matrícula. Mas tem só um pouquinho que temos para usar na cozinha. No começo, tudo acontece. Uma semana depois, deixa de acontecer”, diz ela, que passou 15 dos seus 54 anos em cozinhas de escolas municipais.

“Se não tem nem papel higiênico nem sabonete para lavar a mão, imagina o resto?”

Merendeira em Cajamar

Com asma e hipertensão, a merendeira mora com a mãe de 77 anos. Por isso, ela vê o retorno às aulas nesse momento como algo precipitado, apesar das saudades das crianças. “Eu senti muita falta delas na pandemia. O relacionamento delas com a gente é muito próximo. No ato de alimentar, você cria um vínculo. Elas têm uma identidade com a gente”, observa.

“Mesmo assim, eu acho que tínhamos que esperar a vacina primeiro. Criança não entende que você não pode por a mão aqui ou a mão naquilo. Eu acho irresponsável essa volta. E acho também que as crianças e os funcionários tinham que tomar a vacina antes de voltar”, conclui. 

*A reportagem alterou os nomes para preservar a identidade das entrevistadas

GREVE | A Apeoesp, sindicato que representa professores da rede estadual paulista, e outras entidades de educação contestam a volta às aulas antes da vacina no Supremo Tribunal Federal. O sindicato também criou um relatório com relatos enviados por funcionários de escolas que já conta com 340 casos de covid-19 confirmados. No dia 8 de fevereiro, a organização iniciou uma greve que já contaria com apoio de 81,8% da categoria. 

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