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Entregadores chamam aplicativos no grau: o que você tem a ver com isso? – Periferia em Movimento

Entregadores chamam aplicativos no grau: o que você tem a ver com isso?

Por Thiago Borges

O bololo vai tocar nas pistas nesta quarta-feira (01/07), quando motocas e bikers pretendem fazer aplicativos de comida beijarem o asfalto. Isso porque entregadores se mobilizam para o “breque dos apps”, com paralisação dos serviços como Ifood, Uber Eats, Rappi entre outros em ao menos 18 estados brasileiros. A crise econômica, que jogou muita gente pra ganhar a vida na rua, ficou mais intensa com a pandemia.

É bom ficar ligado nessa manifestação porque isso tem a ver com trabalhadores e trabalhadoras por conta própria de diversos segmentos – e a gente explica ao longo desta reportagem.

“A cada 20 motoca que para nas áreas reservadas aqui em São Paulo [desde o início da pandemia], 19 é entregador. Antes, a cada 10, 3 era entregador e o resto era CLT”, estima Mineiro, como é conhecido um dos organizadores do breque, com quem a Periferia em Movimento conversou.

“Outra coisa é que a taxa dos apps baixou. Às vezes tá lá na nota fiscal: o Ifood cobra R$ 11 do cliente pra entrega. E pra gente, eles repassam R$ 6. Ou seja, eles ganham R$ 5 em cima da gente além do restaurante”, explica Mineiro, que trampa há 3 anos no ramo. Ele diz que já houve tentativa de negociar com as empresas, mas nenhuma delas deu retorno.

As reivindicações dos trabalhadores são as seguintes:

  • Aumento do valor por quilômetro rodado e valor mínimo de entrega
  • Fim dos bloqueios nos apps quando um entregador se nega a fazer uma corrida
  • Fim do sistema de pontuação e restrição de área de trabalho
  • Por seguro de vida, contra roubo e acidente
  • E medidas de prevenção contra pandemia, com equipamentos de proteção

Por que brecar?

De acordo com Mineiro, a organização do breque já junta 275 integrantes em 18 grupos de whatsapp – cada um representando um estado. O ato tem apoiadores em outros 5 países: Argentina, Austrália, China, México e Inglaterra.

Na capital paulista, os trabalhadores pretendem se concentrar às 09h no Extra Itaim e Shopping Morumbi (zona Sul), Shopping Boulevard Tatuapé e McDonalds da Vila Matilde (zona Leste) e na Imigrantes Bebidas (zona Oeste). Depois, entre 10h e 16h, a ideia é circular em bolsões de motoca para dialogar com mais trabalhadores e travar entradas em shoppings, supermercados e restaurantes. Às 16h, eles se reencontram no MASP (avenida Paulista) para uma grande marcha até a ponte Estaiada (zona Sul).

Mineiro diz que a média paga pelas empresas é de R$ 0,93 por quilômetro rodado, o que não compensa os gastos com combustível.

Uma das reivindicações é aumentar a taxa mínima para R$ 2, além de saber quais tipos de corrida vão fazer, o que não é informado. No caso do Uber Eats, uma recusa pode levar a um bloqueio por 3 horas e até banimento do aplicativo após 3 recusas. No Ifood, uma recusa é o suficiente para ser bloqueado.

Mineiro calcula que existam 57 mil entregadores somente no estado de São Paulo, mas que a pandemia fez dobrar o número de trabalhadores que estão sobrevivendo das entregas. É o caso do João*, que teve o nome trocado para preservar sua identidade.

“Decidi trabalhar como entregador pois foi a única alternativa que me restou. As contas não paravam de chegar e tenho a parcela da moto, tenho que manter a casa”

João* é motoca, tem 28 anos, mora no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo) e é pai de família

Antes da pandemia, João trabalhava em um estacionamento. Sem renda, ele ficou em casa por 2 semanas até baixar o Ifood e o Uber Eats no celular. Começou como “nuvem”, quando o entregador define o tempo e a região em que vai trabalhar. Saía de casa às 10h e voltava por volta de 1h da manhã. Por dia, tirava em média R$ 50. “Tem corrida que não toca nem R$ 1 por quilômetro. Cê faz 12km e não ganha nem R$ 9”, diz ele, que soube da paralisação há apenas alguns dias mas não pretende brecar.

Há 2 semanas, ele trabalha com um OL, ou operador logístico. Nessa modalidade, um prestador de serviços com firma aberta faz uma parceria com o Ifood. O OL de João* tem mais de 50 motocas reunidos, que trabalham com escala fixa, folga, jornada de até 8h por dia e em uma área específica da cidade. O entregador já tira em média o dobro do que ganham como “nuvem”, apesar de continuar sem registro em carteira ou renda fixa garantida.

Acidentes, assaltos… os perigos da rua ganharam a companhia do coronavírus. E em tempos de contágio, o cuidado é redobrado.

“Eu sempre ando com meu álcool em gel, de máscara. Quando eu chego em casa, borrifo álcool no corpo todo, na bag, na sola do tênis e vou direto pro banho (…) Eu tenho uma filha de 3 anos que sempre vinha me abraçar. Agora, ela já sabe que só pode me abraçar depois que eu tomo banho”, diz João*.

Quem tá no corre?

O trabalho fica precário pra quem já tá numa situação mais vulnerável.

Uma pesquisa divulgada em agosto de 2019 pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) feita apenas com bike-entregadores de São Paulo revelou que em geral eles são homens, geralmente moradores na periferia e jovens (50% tem menos de 22 anos). A maioria é de negros (71%), com ensino médio completo (53%) e renda média de R$ 936 por mês – menos de 1 salário mínimo (R$ 1.045).

E o veneno que os entregadores estão pagando, percebido por Mineiro, é medido por outro estudo: a pandemia de coronavírus piorou as condições de trabalho e os entregadores por aplicativo estão trampando mais e ganhando menos, segundo a pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) da Universidade de Campinas (Unicamp).

O estudo foi feito em abril de 2020 com 252 trabalhadores (entre motocas e bikers) de 26 cidades, via internet, e aponta que : a cada 10 entregadores, 7 tiveram queda na renda durante a pandemia. Se antes 17% ganhavam em torno de 1 salário mínimo por mês, agora essa proporção dobrou: são 34%. Por outro lado, o percentual de quem ganhava mais de 2 salários mínimos (R$ 2.090) caiu de 51% para 26,7. E entre quem ganhava acima de 4 salários mínimos (R$ 4.180), a queda foi de 9% para 3%.

O tempo na rua também aumentou desde o início da pandemia: 62% dos entregadores trabalham mais de 9 horas por dia.

Enquanto isso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com ações na Justiça contra todas as maiores empresas por aplicativo, Uber, Rappi, Ifood, LalaMove Brasil, entre outras, por conta da precarização do trabalho dos entregadores. As empresas recorreram com liminares e a próxima fase será em audiências de conciliação.

É possível denunciar as empresas de forma sigilosa clicando no ícone “Denuncie” no site do MPT (https://mpt.mp.br/).

Apesar disso, um parecer do Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz que não há relação formal entre esses prestadores de serviços e aplicativos. E, em neste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tomou parecer semelhante, levando em conta a ausência de subordinação como argumento. Apenas o Ifood tem 170 mil entregadores em todo o Brasil e viu o número de candidatos a vagas de entregador da plataforma mais que dobrar em março.

Quantos pontos valem seus direitos?

Um dos pontos de reivindicação dos entregadores é o fim do sistema de ranking. O pesquisador Rafael Grohmann alerta que esse sistema de avaliação, que já existia no dia a dia das empresas, agora atinge diretamente cada trabalhador autônomo e alimenta um círculo vicioso: quem se sujeita aos termos de uso da plataforma ganha maior pontuação e mantém o “direito” de trabalhar em regiões mais lucrativas, perpetuando uma lógica desigual.

Com a pandemia, as empresas aproveitam o desespero de pessoas que perderam o emprego ou a renda para lucrar com a implementação dessas tecnologias.

“A gente tá vendo uma ‘plataformização do trabalho’, que é a maior dependência das plataformas tanto pra conseguir quanto pra se manter em trabalho”

Rafael Grohmann, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e editor do site DigiLabour, que aborda o trabalho digitalizado.

Ele ressalta que essas tecnologias são alimentadas pelos dados de trabalhadores e consumidores, baseados em algoritmos e criados para que não exista a mobilização. “Uber ou Ifood não são desenhados pro trabalhador conversar com outro trabalhador, e isso acaba ajudando a desmobilizar”, explica.

Enquanto funciona como uma caixa preta, com lógicas difíceis de decifrar, os aplicativos usam dados para vigiar trabalhadores – daí, a ideia do ranking denunciado pelos entregadores.

Mobilização via whatsapp

“O bico sempre foi a norma no Brasil. E essas empresas estão se apropriando do bico”, diz Rafael.

Para ele, 3 possibilidades se desenham nessa crise: a regularização do trabalho por via jurídica em geral, que ainda está muito inicial; a organização de trabalhadores para pressionar as empresas, que está se fortalecendo; e, por último, a ‘plataformização’ cooperativa, em que os próprios trabalhadores teriam controle dos aplicativos. Apesar de maior autonomia, essa alternativa ainda não é escalável.

Em São Paulo, o Sindicato dos Motociclitas estuda essa possibilidade, enquanto o Pimp My Carroça lançou o Cataki, um aplicativo que conecta geradores com catadores de materiais recicláveis. Apesar de ter uma estimativa de 800.000 catadores no País, apenas 1.400 estão cadastrados no app.

Enquanto isso, já existem plataformas do tipo, como GetNinjas, Workana ou a brasileira Helpie, que permite contratar de professor a pedreiro, de piloto de drone a drag queen.

Por isso, é importante ficar atento no Breque dos Apps, pois o que hoje afeta motoristas e entregadores pode se difundir para outros segmentos de trabalhadores informais.

E aí, vai se juntar ao bonde?

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