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foi ativado muito cedo. Isso geralmente é um indicador de que algum código no plugin ou tema está sendo executado muito cedo. As traduções devem ser carregadas na ação init
ou mais tarde. Leia como Depurar o WordPress para mais informações. (Esta mensagem foi adicionada na versão 6.7.0.) in /home/periferiaemmovimento/www/teste/wp-includes/functions.php on line 6114Por Fernanda Souza*
Orientação de reportagem: Gisele Brito. Edição de texto: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano (sobre fotos de arquivo pessoal)
Por mais de 10 anos de sua vida, Karolyn Andrade frequentou a Assembleia de Deus. Nos cultos e encontros da igreja em que congregava, sexualidade era considerado “pecado”. Já na escola, as aulas sobre o assunto se restringiam a explicar a menstruação bem como métodos contraceptivos ou de prevenção a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Nada sobre descobertas da adolescência ou sentimentos novos que apareciam. Enquanto isso, as letras de funk falavam de sexo amplamente.
“Os funks que eu escutava enquanto criança e adolescente me despertavam curiosidade. Então, de alguma forma, era um veículo de informação’’, relata a jovem moradora de Poá (na região metropolitana de São Paulo), atualmente com 24 anos.
A história de Karolyn ilustra bem o debate em torno da educação sexual. Enquanto o assunto é escanteado em alguns ambientes, em outros é tratado apenas pelo viés do ato sexual em si. A falta de uma abordagem “integral” gera dúvidas sobre medidas de prevenção (leia depoimentos de jovens de quebrada em reportagem recente da Periferia em Movimento), sobre a formação de identidade e em favorecimento da violência sexual.
Este conteúdo faz uso de linguagem neutra e impessoal. Entenda
É um B.O estrutural que só piora nosso caminhar. Para enfrentar essa situação, coletivos, movimentos e pessoas que trabalham em equipamentos públicos instalados em periferias atuam para mudar um cenário em disputa, já que autoridades conservadoras forçam a barra para retroceder mais um pouco.
Nesta reportagem, a gente traz um recorte do problema e explica como iniciativas de quebrada estão pautando outras perspectivas para o assunto, que vai muito além da relação sexual e passa por autoconhecimento e direito à saúde.
A educação sexual para crianças e adolescentes é tratada por governantes de viés conservador como “ideologia de gênero”, supostamente implementada para combater instituições como a família e a igreja.
Em 2019, por exemplo, o atual ocupante da cadeira de Presidente da República, Jair Bolsonaro, discursou contra informações sobre o tema na “Caderneta de Saúde do Adolescente”, impressa pelo Ministério da Saúde, e sugeriu a pais e responsáveis que rasgassem as páginas com ilustrações consideradas “inadequadas” por ele.
O conteúdo era direcionado a meninas, meninos e menines entre 10 e 19 anos, e ensinava a usar preservativos externos com imagens de genitais, bem como trazia discussões sobre a descoberta da sexualidade na adolescência.
Na cidade de São Paulo, o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) já declarou que a suposta ideologia de gênero é “nefasta“. Ligado à Igreja Católica, quando era vereador ele barrou trechos do Plano Municipal de Educação que previam a abordagem do assunto em salas de aula.
Nunes, por outro lado, apoia o projeto de lei 813/2019 que institui a “Semana Escolhi Esperar”, que avançou na Câmara Municipal na semana passada e agora aguarda votação em plenário. De autoria do vereador bolsonarista Rinaldi Digiglio (PSL), o PL quer promover a abstinência sexual como método de prevenção.
Para a co-vereadora Elaine Mineiro, que integra o mandato coletivo Quilombo Periférico (PSOL), o projeto tem a mesma base de uma proposta que a ministra Damares Alves tentou implementar no início de 2020 no plano federal Política essa, que precariza cada vez mais o cenário.
‘’Da forma como estão redigidas essas diretrizes, suspeito muito que serão usadas para criminalizar a pobreza e reforçar problemas de racismo estrutural”, observa Elaine. Ela avalia que o PL transforma vítimas em culpadas ao deturpar a realidade e construir uma narrativa de que pessoas pretas e pobres não deveriam explorar sua sexualidade para não ter filhos.
A violência sexual caracteriza-se como penetração (oral, anal ou vaginal por meio de partes do corpo ou objetos), carícias indejadas, masturbação forçada e atos sem contato físico, como a exposição obrigatória a materiais pornográficos ou exibicionismo. Saiba o que fazer em uma situação como essa aqui.
Na maioria das vezes, a pessoa que comete o abuso é alguém próximo da criança — amigos ou conhecidos da família (30,13%), padrastos e madrastas (12,09%), ou pais e mães (12,03%), conforme indica o Atlas da Violência de 2018.
Por isso, não dá pra escolher esperar. Falar de sexualidade com crianças pequenas é fundamental para prevenir violências desde cedo. Um dos meios de se prevenir tais práticas é o autoconhecimento do próprio corpo, para saber como reagir ou pelo menos verbalizar quando acontece algo de errado.
‘’O que mais percebi é que era um tabu, principalmente ao falar de assuntos como masturbação. Ou ao falar também no toque na pele, um cheiro no pescoço e como é normal o que sentem [quando fazem isso]”, comenta a educadora social Jaqueline Moura, 25, que atuou por 2 anos no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) atendendo adolescentes vítimas de violência sexual no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo).
Em 2019, um mapeamento feito na subprefeitura da Capela do Socorro identificou o bairro do Parque Residencial Cocaia com o maior índice de notificações de vítimas dessas situações. Para lidar com isso, o CREAS passou a realizar atividades físicas, lúdicas e artísticas para falar sobre a violência mas também sobre o conhecimento do próprio corpo. Segundo Jaqueline, a promoção do celibato ou o controle do corpo de mulheres podem causar diversos traumas.
O prazer ainda é tabu, principalmente numa caçada ao corpo de mulheres cis numa ideia de que servem para gerar filhos e atender aos desejos do homem hétero cis. Isso acaba inibindo as minas de conhecerem a si mesmas para desfrutar do mesmo direito que um homem tem de “’gozar”.
‘’Se conhecer antes de estar com alguém é o que a gente preza. É um processo que precisa ser respeitado. Por mais que nós tenhamos esse entendimento, precisamos compreender que cada uma tem seu tempo de entender que tá tudo bem falar de sexo, se masturbar, entender o próprio corpo e não deixar esse trabalho somente pra outra pessoa”, afirma Kenya Odara, 23 anos.
Ela é integrante do coletivo Siriricas, que tem uma página no instagram e produz um podcast sobre sexualidade, saúde e bem estar de mulheres negras.
Quem também trabalha a emancipação desses corpos é o projeto Vulvárias, que usa a tecnologia para quebrar padrões corporais ao construir vulvas e clitóris de formatos variados. O objetivo é auxiliar a compreender o órgão para além da vagina.
Já no Barragem (distrito de Parelheiros, Extremo Sul de São Paulo), o coletivo Perifeminas promove a emancipação por meio do futebol de várzea e rodas de escuta ativa e de leitura.
“Educação sexual está para além da prática. É poder ser um corpo livre e dono dos seus prazeres e quereres. Sabemos que quando se trata de sexo ou educação sexual numa sociedade misógina, patriarcal, meninos e meninas já crescem machistas, onde meninos sejam livres e mulheres as recatadas”, aponta Silvani Chagas, educadora do grupo.
… para desconstruir a masculinidade zuada
A educação sexual também é caminho para homens que seguem dentro da heteronormatividade para desconstruir a masculinidade tóxica, regada de patriarcado. “A concepção de masculinidade pode ser transformada, [ser mudada] por uma mais aberta, novas possibilidades de se ocupar”, afirma Raul Gomes, de 26 anos, psicólogo no Masculinidade Quebrada.
Desde 2017, o coletivo começou rodas de conversa diante da necessidade de discutir gênero e sexualidade com homens e meninos da periferia do Extremo Sul paulistano. Eles criaram uma metodologia na qual adolescentes e homens adultos podem construir um personagem do gênero masculino. A cada passo dado com o grupo, esse personagem vai ganhando forma, história, sentimentos e desejos.
“[A sexualidade] pensada e desenvolvida hoje endossa uma estrutura de poder. Por isso, se a gente não fala, a gente está endossando uma prática misógina”, ressalta Raul.
…para combater à LGBTQIA+fobia
A urgência em abordar educação sexual também está ligada em rever as práticas tradicionais da abordagem biológica, que para além de fazer a manutenção da misoginia (onde valida o homem como superior à mulher) naturalizam a transfobia. Vale lembrar que a transfobia é o ato de discriminar pessoas transgêneras, ou seja, quem não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento.
‘”A ideia biológica não possibilita nenhuma mudança e nenhum câmbio nessa estrutura. Pelo contrário, é extremamente limitante. Impossibilita qualquer trânsito de liberdade, escolha e mudança, já que a biologia está dada’’, nota Raul. Ele ainda alerta que a ideia de “destino traçado” interfere na liberdade de atender a desejos afetivos.
Quem tiver interesse em compreender mais sobre isso, Raul sugere ler o documento ‘’Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos’’, idealizado e desenvolvido por Jaqueline Gomes de Jesus. O guia é um apoio para formadores de opinião, mas serve para qualquer pessoa que queira entender os significados de alguns conceitos, o uso correto de pronomes e ressignificar termos preconceituosos.
“Quando a gente pensa em abordar a sexualidade de uma perspectiva social e humana, ela é desenvolvida no diálogo”, afirma Raul.
…. pois precisamos ir além do ato sexual
Será que de fato conhecemos nosso corpo, por exemplo quando estamos com estresse e surgem efeitos hormonais como espinha ou queda de cabelo? Assim como conseguimos identificar pequenos prazeres? Nosso corpo é composto de fragmentos que podem ser explorados.
“Quando as pessoas pensam em sexo, esquecem que existe um corpo, que ele precisa ser saudável, alimentado, amado e hidratado. Não é só uma máquina de sexo’’, aponta a educadora Silvani Chagas.
‘’O conhecimento é extremamente importante para todas as pessoas. Para além do ato sexual, o corpo nos dá sinais sobre tudo. Assim fica mais fácil entender e prevenir acontecimentos’’, completa o coletivo Siriricas.
Tanto Silvani quanto Jaqueline, do CREAS, notam que uma consequência positiva da consciência corporal é a harmonia com a mente, fazendo de nós uma orquestra. Ao iniciar essa discussão na infância, a criança compreenderá a mudança do corpo, a expansão hormonal e, novamente, poderá se prevenir de abusos.
Não precisamos esperar para promover a educação sexual.
*Fernanda Souza é participante do “Repórter da Quebrada – Uma morada jornalística de experimentações”, programa de residência em jornalismo da quebrada realizado pela Periferia em Movimento por meio da política pública Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo