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ou mais tarde. Leia como Depurar o WordPress para mais informações. (Esta mensagem foi adicionada na versão 6.7.0.) in /home/periferiaemmovimento/www/teste/wp-includes/functions.php on line 6114Por Letícia Padilha. Colaborou Fernanda Souza*
Orientação de reportagem: Gisele Brito. Edição: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano
Alyne Carvalho iniciou sua vida sexual aos 17 anos, “velha até pra uma mina de periferia”, como ela própria avalia. Ela esperou porque temia engravidar precocemente. “Eu acho que me segurei muito na questão sexual, porque eu realmente nunca tive muito desejo de ser mãe. E o que mais a gente via na escola pública eram suas amigas sendo mãe”, diz a estudante de Diadema (região metropolitana de São Paulo), que hoje tem 26 anos.
Sem educação sexual na escola ou em casa, ela usava camisinha para evitar ter filhos. Ainda assim, quando “perdeu a virgindade”, Alyne pediu ajuda à mãe para buscar acompanhamento médico para fazer uso de anticoncepcionais.
A preocupação com a gravidez precoce é pertinente, ainda mais entre jovens de periferias. O Mapa da Desigualdade de 2020, elaborado pela Rede Nossa São Paulo, aponta um índice maior de gravidez entre adolescentes em distritos periféricos em comparação a regiões centrais e mais ricas da capital paulista. “A maternidade faz com que mães adolescentes passem a ter baixa perspectiva em relação à escolaridade e à futura inserção no mercado de trabalho”, avalia o estudo.
Segundo as pessoas que entrevistamos para esta reportagem, essa é a maior preocupação na quebrada há muitos anos, elegendo a reprodução como função principal do sexo.
A questão, inclusive, é utilizada para justificar propostas que defendem a abstinência sexual como método contraceptivo eficaz – o que é apontado por movimentos sociais como medida baseada em crenças religiosas. Em São Paulo, o projeto de lei 813/2019 do vereador bolsonarista Rinaldi Digilio (PSL) inclui no calendário de eventos da capital a “Semana Escolhi Esperar”. O PL, aprovado em primeira discussão, aguarda segunda e definitiva votação no plenário da Câmara Municipal.
Acontece que “escolher esperar” não é um método de prevenção eficaz quando é natural que boa parte da juventude escolha “transar”.
Para a assistente social Célia Barreto, o debate em torno da gravidez deixa de lado outro fator importante dos métodos de prevenção, que é garantir uma vida sexual saudável e evitar as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
“Geralmente, os jovens se preocupam somente com gravidez e muitas vezes não conhecem as ISTs ou não sabem a gravidade. Por isso, [existe] a necessidade de sempre discutir, levar conhecimento, mostrar a importância da prevenção”, diz ela, que trabalha no Serviço de Assistência Especializada (SAE) em DST/AIDS de São Mateus, na zona Leste paulistana.
A informação chegou tardiamente para Thamyres Cristina, hoje com 23 anos. “Transei pela primeira vez com 17, bem depois das minhas amigas. Algumas até já tinham filhos. Eu tinha muito medo, por isso nem conversava com elas sobre”, conta a moradora do Jardim Peri (zona Norte de São Paulo). “Quando fui transar, o meu parceiro perguntou se podia colocar a camisinha e eu aceitei sem saber exatamente por quê. Ele me explicou que seria para evitar uma gravidez e só”, continua.
Quando ingressou na faculdade de Psicologia, Thamyres teve novas descobertas. “Rolou toda uma dinâmica explicando o que eram ISTs. Fizemos alguns testes também. Eu me lembro de ficar apavorada, porque entendia que eu só precisava me proteger de uma gravidez. Depois do uso de anticoncepcionais, nunca mais transei com camisinha. Foram os 30 minutos de espera mais longos da minha vida!”, diz ela, lembrando-se do teste rápido para detecção de HIV.
Isso ilustra outro comportamento muito comum: quando se tem um parceiro fixo, a camisinha deixa de ser prioridade.
Apenas 22,8% das pessoas acima de 18 anos usaram preservativos em todas as relações sexuais nos 12 meses anteriores à entrevistas. Outros 73,4% dizem não usar porque confiam em seus parceiros. É o que aponta a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, divulgada em maio deste ano pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O estudo voltado a investigar as relações sexuais heteronormativas indica ainda que 1 milhão de pessoas (0,6% da população acima de 18 anos) havia recebido diagnóstico de alguma IST.
O produtor audiovisual G.R., hoje com 25 anos, transou pela primeira vez aos 18. Ele perdeu a virgindade com sua primeira namorada, que tinha 17. “Ela também nunca tinha transado. Usamos camisinha por um ano, até ela começar a tomar injeções para não engravidar. Depois disso, transamos quase sempre sem”, conta o morador de Itaim Paulista (zona Leste).
Apesar de ambos saberem que a camisinha serve para prevenir não só uma gravidez, essa era a principal razão para seu uso. “Ela tinha muito medo de engravidar, principalmente por conta da pressão dos seus pais, porque a irmã mais velha dela teve um filho muito nova”.
O relacionamento durou 2 anos e meio. Nesse período, G.R. conta que algumas vezes em que transava sem camisinha com sua parceira próximo do período menstrual dela, ele ficava com algumas feridas em sua genitália. Porém, ao buscar um tratamento no hospital, o jovem não recebeu orientações a respeito. Apenas pegava os remédios e seguia a vida normalmente. “Eles me passaram uma pomada e tal, mas nunca se aprofundaram sobre o assunto”, relata.
Mesmo sem o diagnóstico médico, G.R. também não buscou outras informações imediatamente. “Não que eu não quisesse saber. Eu só não procurava pelo nome. Eu sabia que era uma IST, mas não queria saber exatamente qual era por medo. Eu pensava que meu pau iria cair”, lembra.
Passado o susto, após fazer pesquisas próprias, G.R. concluiu que contraiu candidíase, infecção que gera uma dor desconfortável, com vermelhidão local, ligeiro inchaço e coceira.
Filhos de mães solos, tanto Alyne como G.R. contam que o que aprenderam foi nas ruas com os amigos ou na televisão.
“Existe uma pressão entre os caras. Lembro que alguns amigos da vila tinham umas revistas pornôs em casa, daí eles levavam pra rua e a gente ficava vendo”, aponta G.R. “Sempre teve o assunto de transar com ou sem camisinha, mas a gente só entende mesmo na hora”.
Já Alyne acredita que sua geração foi totalmente educada pelo entretenimento (TV e recentemente a internet). E as poucas conversas que teve na escola foram assustadoras e frustrantes.
“Eu lembro que eu estava na quarta série, com uns 9 ou 10 anos, e uma professora minha estava falando de abuso sexual com outra professora da rede (…). Ela disse assim: ‘vocês, meninas, são como um presente. Quando o presente está embrulhado, é difícil você ver o que tem dentro. Mas se o presente está desembrulhado, atiça mais a pessoa a abri-lo’. Tipo assim, falando que a culpa era nossa, porque se a gente usasse uma roupa mais decotada, a gente estava pedindo pra ser abusada. E eu nem tinha idade pra pensar nisso, mas me marcou, porque a partir daí eu ouvi isso a vida inteira!”, recorda-se Alyne.
Falas como essas podem ser extremamente prejudiciais para o desenvolvimento e ensino de adolescentes, uma vez que é baseada em crenças pessoais e longe das diretrizes do Ministério da Educação.
“O caminho que nos leva a abordagens mais saudáveis é levando dados, levantando uma problemática e puxando uma conversa no objetivo tentar solucionar o assunto junto”, explica a educadora Silvani Chagas, que atua no coletivo Perifeminas, em Parelheiros (Extremo Sul de São Paulo).
“A escuta ativa é muito importante. Oferecer meios de ajuda, de acolhimento. Trabalhamos com a literatura, que é uma ferramenta de transformação tanto para o educador, quanto para pessoas aleatórias em busca de respostas. A leitura tem um poder de te ajudar na ressignificação da sua trajetória”, observa Silvani.
Quando saímos da ideia do sexo apenas como modo reprodutivo, os métodos de prevenção passam a ficar ainda mais complexas.
“A proteção no sexo lésbico não está em pauta, mas é uma parada necessária porque a gente já sabe que a camisinha não previne só uma gravidez”, conta a produtora cultural e poeta C.L., de 24 anos, que mora na região do Grajaú (Extremo Sul de São Paulo). “Existem vários métodos, mas nenhum é 100%. Você encontra camisinhas masculinas em praticamente todos os lugares, e quase nunca vê uma camisinha feminina. A gente precisa sempre se adaptar.”
C.L. contraiu HPV ao compartilhar brinquedos sem o uso de preservativo e teve muitas dificuldades no tratamento. “Fui em 3 ginecologistas, e os 2 primeiros não conseguiram ‘ou não quiseram’ prestar o devido atendimento, afirmando que não tive uma relação sexual ‘normal’. Apenas na terceira tentativa que consegui iniciar todo o tratamento corretamente. Tudo isso na rede privada de saúde”.
Para Larissa Darc, jornalista pesquisadora de educação sexual para lésbicas e bissexuais, o método mais eficiente de prevenção para essas mulheres cis e pessoas trans com vulvas são os cuidados de higiene pessoal, além das “gambiarras”. “Não existem métodos de prevenção para o sexo entre vulvas. Existe uma indústria totalmente voltada ao prazer para corpos com pênis. Porque nem a indústria nem a comunidade médica estão voltadas a se preocupar com o prazer de corpos com vulvas”.
“Eu tenho uma vida sexual ativa há 15 anos e nunca usei nenhum preservativo. Eu sei que não é seguro, nem um exemplo, mas nunca senti a necessidade. Prevenção pra mim é lavar as mãos e cortar as unhas”, acredita Formigão, 30 anos, que se define como um sapatão que dialoga com a não-binariedade e considera estar construindo uma transmasculinidade dentro da lesbianidade.
Ativista e estudante de História, o morador do Jardim Ângela conheceu os principais cuidados numa relação não-hétero em cartilhas do movimento lésbico “Coturno de Vênus”, de Brasília.
“Foi na minha primeira parada LGBT. Não sei dizer exatamente qual era o conteúdo agora, porque faz um tempo, mas era bem didático! Fiquei fascinado porque, mesmo na parada, não se encontram muitas informações sobre cuidados para a comunidade lésbica”, continua Formigão.
Enquanto para lésbicas e bissexuais existe uma lista limitada de prevenções, para homens cis gays a preocupação com ISTs sempre esteve muito presente. A ponto de estar ativamente centralizada na vida de D.F., 29 anos, profissional de segurança do trabalho natural do interior do Rio de Janeiro. Há 4 anos, ele mora em São Paulo.
“Eu tinha uns 16 anos quando descobri minha orientação sexual. Minha mãe, que sempre foi muito religiosa, só disse que era uma fase e iria orar por mim. Já meu pai me disse uma frase que me marcou até hoje: ‘eu não me importo com o que você decidir ser, mas você sabe que essas pessoas (gays) morrem só de uma coisa – AIDS’. E a partir daí, sempre tive muito medo de contrair HIV”
Desde que iniciou sua vida sexual, D.F. faz uso do PrEP (Profilaxia Pré-Exposição, que é a utilização de um medicamento para evitar que uma pessoa que não tem HIV adquira a infecção se for exposta ao vírus). Ele também usa camisinhas e faz consultas mensais com médicos. “Eu tinha tanto medo que cheguei a dizer que era garoto de programa para entrar no sistema do tratamento”, conta.
Para não entrar nas piras de se infectar, ele também faz acompanhamento com psicólogos. Esse é um pensamento muito comum entre seus amigos e colegas. “Temos até uma brincadeira: ‘Ahh, mass você não usa PrEP? Ahh, não sei, não…’. Eu cheguei a negar relacionamentos, porque sempre que penso em ter algo sério com alguém ele tem que pelo menos fazer o teste rápido comigo”.
Todas essas preocupações que trouxemos até aqui se baseiam apenas em relações sexuais com penetração. Não existe uma preocupação maior em relações ao sexo oral, tanto na comunidade LGBTQIA+ quanto em relações heteronormativas. Mais uma vez pela falta de informação sobre a transmissão de IST’s, como também sobre o debate do prazer versus a proteção.
“Pensando em minimizar ou solucionar problemas do território, um dos problemas que a gente conseguiu identificar foi essa questão da importância do sexo seguro. A gente iniciou a produção de um trabalho audiovisual no formato de um curta, dentro dessa perspectiva que era o ‘Qual é, sem camisinha não rola’, muito para atender um pouco dessas demandas”, conta Geisson Silva, idealizador e empreendedor do coletivo Cinemateus, que atua na região de São Mateus (zona Leste).
Criado inicialmente para ser um curta-metragem a ser exibido e distribuído na internet e em festivais,o projeto ganhou força quando a EMEF do CEU São Mateus convidou o coletivo para uma atividade sobre o uso de preservativos entre adolescentes.
“Fui surpreendido com casos de adolescentes de 12 anos que estavam grávidas e muitas questões relacionadas à iniciação da vida sexual precoce”, nota Geisson, que também já atuou como agente de saúde em um CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento).
Com isso, ele saiu em busca de parcerias com a Secretaria Municipal de Saúde e de algumas empresas privadas para a distribuição de insumos, camisinhas externas e internas (conhecidas antigamente como masculina e feminina), lubrificantes e cartilhas. Assim, nasceu a campanha “Comigo, sem camisinha não rola!”.
A campanha visitou escolas para conversar com pré- adolescentes e adolescentes, numa pegada em que jovens se interessassem pelo assunto, buscando apresentar a necessidade do uso de preservativos não somente para evitar uma gravidez precoce.
Hoje a campanha busca aprimoramento para atender não só relações cis-heteronormativas, mas a toda a comunidade LGBTQIA+.
“Por conta desse avanço que a gente tem tido na sociedade, é importante também fazer essa discussão que não é o preservativo masculino e preservativo feminino justamente para respeitar essa diversidade dos corpos que existem na sociedade”, comenta Geisson. “Quando você pega uma mulher trans ela vai usar o preservativo externo. Algumas informações têm a orientação voltada para a educação sexual pautada com a comunicação de corpos binários”.
Hoje, o projeto que tem como principal objetivo apresentar à comunidade os meios de prevenções e órgãos públicos que distribuem não só os insumos como orientações para a prática de relações sexuais para todos os corpos com segurança, e vem transitando a fala e troca experiências não somente ao público mais jovem, mas também aos mais velhos, como seus pais.
A campanha convida a comunidade a conhecer o CTA, que apresenta total respaldo de informações, insumos e testes para ISTs e a prática de sexo com segurança. O CTA oferece orientações sobre prevenção, testes de HIV, distribuição de insumos (camisinhas e lubrificantes) e também Profilaxias Pré e Pós-Exposição (PEP e PrEP, respectivamente). O SAE (Serviços de Atenção Especializada), além das tecnologias de prevenção oferecidas no CTAs, conta também com consultas de tratamento de HIV/AIDS e coinfecções como hepatites virais e tuberculoses.
Encontre aqui o endereço dos CTA/SAE mais próximo de você.
*Letícia Padilha e Fernanda Souza são participantes do “Repórter da Quebrada – Uma morada jornalística de experimentações”, programa de residência em jornalismo da quebrada realizado pela Periferia em Movimento por meio da política pública Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo