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Mães trans e mães de trans vivem desafios comuns da maternidade – Periferia em Movimento

Mães trans e mães de trans vivem desafios comuns da maternidade

Jaciana (à esq.) com a companheira e os 3 filhos. Gustavo (à frente, à dir.) é um menino trans (Foto: Divulgação)

Por Aline Rodrigues. Edição: Thiago Borges

Foto em destaque: Jaciana (à esq.) com a companheira e os 3 filhos. Gustavo (à frente, à dir.) é um menino trans (Arquivo pessoal)

No transfóbico Brasil de 2021, obviamente isso atravessa as famílias de Jaciana, Tabata e Alexya. A primeira é mãe de 3 crianças, sendo 1 delas trans; a segunda, é uma mulher trans mãe de 2 filhos cis; e a terceira, é travesti e tem 3 filhos (sendo 1 cis e 2 trans). Mas, assim como nas famílias que são consideradas “convencionais”, elas também vivenciam a responsabilidade de acolher as dúvidas, construir vínculos e descobrir caminhos juntos dos filhos. 

Conversamos com elas, que planejaram, construíram aos poucos ou se viram no papel de mãe do dia pra noite – e também celebraram seu dia neste último domingo (9/5).

“A felicidade do seu filho ou o julgamento das pessoas?”

Jaciana Batista Leandro de Lima, 33 anos, fez essa pergunta em uma mensagem de Dia das Mães publicada em seu instagram neste domingo. Com mais de 15 mil seguidores, ela criou o perfil para compartilhar sua rotina ao lado dos 3 filhos: Thereza Nicoly, de 12 anos; Edgar Nicolas, de 12; e Gustavo, de 6.

As crianças mais velhas são cisgênero, enquanto Gustavo é um menino trans – e é ele que domina boa parte da rede social da mãe, com mensagens divertidas para o feed, os stories e os reels. Jaciana utiliza a internet para falar dos desafios para ter a identidade de gênero do pequeno respeitada e apresenta reflexões para combater a transfobia.

https://www.instagram.com/p/COoEpV-gyqv/

“Ser mãe foi algo que me fez ser a mulher que sou, para lutar e sempre estar disposta a tudo para dar uma vida melhor para meus filhos”, conta ela, que diz sempre ter sonhado com a maternidade por diferentes motivos, entre eles por ter sido abandonada pela própria mãe.  

Mãe solo de 3, ela conta que a maior dificuldade é a discriminação contra Gustavo e as críticas a ela, que é lésbica – e, portanto, “acusada” de incentivar o filho a ser como ela é. “Mas a partir do momento em que você abre seu coração e a mente, seu filho se torna feliz, forte e se sente seguro, pois sabe que está ali pra segurar sua mão para todos os momentos”, diz a moradora do Butantã (zona Oeste de São Paulo). 

O dia a dia é de aprendizados e bons momentos. “Sempre tive uma boa relação com meus filhos e assim posso ajudá-los com suas dificuldades. Graças a Deus, consegui várias pessoas que nos apoiam e nos entendem, respeitando como eles são”. 

Encontro de almas

Tabata Alves, de 44 anos, é mãe de 2 filhos e já planeja o terceiro. Porém, durante boa parte da vida, o desejo da maternidade esteve adormecido. Ela começou o caminho da maternidade querendo ser madrinha de Everton, mas foi surpreendida com o afeto que naturalmente foi criando com o então adolescente. Aos poucos, percebeu que “ele parece que nasceu para ser meu. O jeito, as características físicas e psicológicas”, conta.

Tabata e Everton descobriram que tinham os mesmos sonhos, os mesmos ideais de vida. “E da noite para o dia, eu era mãe”, diz. Para ela, o reconhecimento de que poderia viver a maternidade foi importante uma vez que é uma mulher trans, negra, periférica e solo. “É de uma sensibilidade muito grande. Eu não sei o que dizer em palavras, eu só sei sentir”. 

Everton e Tabata (foto: arquivo pessoal)

Há 4 anos, Everton entrou oficialmente para a família. Um dia antes de receber a guarda em definitivo, Tabata estava com ele no Parque Ibirapuera.

“A gente se sentou, conversou e eu falei: ‘E aí? Vou ser sua mãe. Você topa?’. E ele falou: ‘Você não vai se arrepender por esse carinho que você está me dando’. Essa foi a melhor frase que eu ouvi em toda minha vida”

Vice-presidente da ONG Conviver é Viver, que há mais de 20 anos atua com prevenção de HIV/Aids e outras ISTs no Jardim Ângela (zona Sul de São Paulo), Tabata construiu uma trajetória de educadora popular. Mas ser mãe na prática foi algo totalmente novo, ainda mais de um adolescente com 15 anos na época. Como qualquer mãe, ela viveu e vive os conflitos naturais da convivência diária, que se intensificaram na pandemia. “A gente aprendeu a se conhecer mais e eu passo a me dedicar mais a ele também”, explica. 

A insegurança também é presente. “Tem hora que eu coloco ele em uma bolha tão grande. Eu quero que ele seja intocável”, diz. Hoje aos 19, Everton vive em outra casa, do outro lado da rua. Tabata orienta sobre questões da vida, como trabalho ou namoro. Enquanto isso, a família cresce com a chegada de Jacson, de 9 anos, que ainda aguarda a liberação da guarda definitiva.

“É uma loucura ser mãe. Você cuidar daquele ser humano, dar estrutura e preparar pra vida. E agora estou vivendo isso com um pequeno”, compartilha Tabata, que não se vê diferente de uma mãe cis, por exemplo. “Ser mãe é igual aqui e em qualquer lugar do mundo, com suas dores, com seus amores”.

Quem diz quem pode ou não ser mãe?

“As pessoas se prendem muito naquela gestação de 8, 9 meses pra legitimar a maternidade”, conta Alexya Salvador, 40 anos, que viveu gestações de diferentes períodos: 20 dias, 3 meses… Não foi a sociedade que disse para Alexya que poderia ser mãe. Foram seus próprios filhos. 

Há quase seis anos, ela vive a maternidade que começou sem planejamento prévio, apesar de ser um sonho de toda a vida. “Eu rezava, eu orava… e hoje é uma realidade”, conta a coordenadora pedagógica e reverenda da Igreja da Comunidade Metropolitana.

Alexya Salvador (foto: arquivo pessoal)

Primeira travesti a receber a guarda definitiva de uma criança no Brasil, Alexya iniciou sua trajetória como mãe de Gabriel, hoje com 15 anos de idade. Mãe e filho se conheceram no centro de acolhida onde ele morava e em que ela e o companheiro Roberto realizavam um trabalho social. 

“Eu costumo dizer que meus filhos não nasceram de mim, mas eles nasceram pra mim”.

Em 2016, Alexya ganhou a segunda filha. Ana Maria, uma menina trans natural de Jaboatão dos Guararapes (PE), recebeu o nome da avó materna. “Foi um ‘parto’ lindo, emocionante. Quando eu falo do dia em que a Ana ‘nasceu’, eu sinto ainda o meu corpo igual aquele dia. As mesmas emoções tomam conta de mim e isso é muito real ainda em mim”, recorda-se. Hoje, ela tem 14 anos.

E para formar o trio, há 2 anos chegou Dayse em um processo que durou menos de 1 mês. “Dayse ‘nasceu’ plena aos 7 anos, sendo uma menina trans que encontrava uma família trans afetiva, com uma mãe trans, uma irmã trans”, diz Alexya, que mora na região central da capital paulista.

Apesar dos desejos realizados, a reverenda não romantiza a maternidade. Ela sabe que é um desafio diário e precisa de “muita responsabilidade pra educar, pra corrigir, pra ajudar a construir um ser humano de caráter, justo, um ser humano fraternal”. 

A relação familiar é baseada no amor, com o direito de errar e ajustar, assim como vivenciar ou não a mesma fé de Alexya. “Eu aprendo muito com eles. Talvez eu mais com eles do que eles comigo”, encerra. 

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