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De Marielle a Paraisópolis: Procurando brechas pra resistir ao genocídio do Estado – Periferia em Movimento

De Marielle a Paraisópolis: Procurando brechas pra resistir ao genocídio do Estado

Vinda do Haiti direto para a favela de Paraisópolis, Gloria Maria encontrou vizinhas e vizinhos mobilizados nas ruas em busca de justiça. Na última segunda-feira (09/03), completaram-se 100 dias da ação policial que deixou 09 mortos no Baile da DZ7.

Gloria foi ao país caribenho justamente para denunciar o massacre e outras situações de violência policial durante a reunião da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização de Estados Americanos (OEA).

A Corregedoria da PM de São Paulo concluiu que os 31 policiais agiram em “legítima defesa” ao dispersar com bombas um baile que reunia em torno de 5.000 pessoas.

Sem força para punir legalmente o País, depois da audiência a OEA cobrou solidariedade do Brasil à população negra. O governo brasileiro se defendeu com o argumento de que o caso está sendo investigado e que desenvolve políticas públicas de igualdade de gênero e raça.

O constrangimento é fruto da articulação internacional feita pela Coalizão Negra por Direitos, grupo que reúne mais de 100 organizações e coletivos negros no Brasil. Formada em 2019, a articulação já denunciou o genocídio brasileiro na ONU e no Mercosul, se reuniu com congressistas para barrar o Pacote de Sergio Moro que aumenta a letalidade contra a população preta e periférica, entre outras ações.

Massacre na favela completou 100 dias, enquanto mortes de vereadora e seu motorista já fazem 02 anos sem resolução
Comitiva da Coalização na CIDH (Foto: CIDH)

Na comitiva, também estava Fernanda dos Santos Garcia, de 27 anos, irmã de Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos, um dos jovens que foram mortos.

“Chegar na nossa casa e saber que eu nunca mais iria ver o meu irmão… Ele foi tratado com tanto amor, com tanta dificuldade, para um órgão do estado vir tirar a vida dele sem razão alguma”, disse ela.

“O Estado sempre foi violento, genocida, as polícias sempre foram compostas por milicianos, grupos adeptos a praticas paramilitares”, observa o professor e militante Douglas Belchior, integrante da Coalizão que viajou na comitiva ao Haiti. “Agora, quando você tem um governo que estimula o que tem de mais violento nas forças armadas, o quadro se agrava. E é isso que estamos vivendo”, continua.

A história se repete

Neste sábado (14/03), o pedido de justiça segue diante de outro caso emblemático. Há 02 anos, a então vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram vítimas de um atentado quando voltavam de um evento de mulheres negras nas instituições. Apesar da prisão de suspeitos de executarem o crime, o caso segue sem elucidar o mandante.

O ato por justiça para Marielle e Anderson marcado para este sábado, no Rio, foi cancelado devido a pandemia de coronavírus. Entenda melhor sobre o assunto aqui.

Desde o assassinato de Marielle, a sociedade voltou a se comover com balas “perdidas” que vitimaram crianças e adolescentes, os 80 tiros que tiraram a vida de um músico no carro da família e o catador que tentou socorrê-lo, a tortura e morte de jovens negros por seguranças de supermercados.

No Haiti, a comitiva denunciou a violência policial nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, em que quase 3.000 foram mortas pela Polícia Militar em 2019 (719 em São Paulo, 1.810 no Rio), e a não responsabilização pelos crimes (98% dos casos são arquivados sem entrar em processo).

Mas o cenário é antigo. A cada 04 pessoas assassinadas no Brasil, 03 são negras, segundo o Atlas da Violência. Entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de negros aumentou 33,1% enquanto a de não-negros subiu 3,3%. O País também tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 812 mil presos, 65% deles negros.

Velas acesas na porta da SSP (Foto: Edu Graja)
Velas acesas na porta da SSP (Foto: Edu Graja)

“Entendemos o genocídio pela violência policial, pela falta de estrutura nas periferias que vai contribuir pra morte das pessoas e o encarceramento”, aponta a jornalista Juliana Gonçalves, uma das organizadoras da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo. “O que mudou agora é que temos conjuntura de descrença total no estado e a própria ideologia do governo que faz com aumente o genocídio”.

Juliana percebe esse endurecimento com medidas como a militarização de escolas, a relação de policiais com estudantes, a criminalização da cultura periférica (como o funk) e a proposta de privatização dos presídios. “Por isso, vemos um pessoal que nunca deixou de se movimentar mas que tem intensificado as ações”, diz ela, referindo-se aos próprios movimentos sociais.

O momento é de barrar retrocessos

Douglas Belchior com Sonia Guajajara (Foto: Blog Negro Belchior)

“Talvez a gente não tenha e não esteja organizados o suficiente pra enfrentar o tamanho da crise do fascismo que nos aflige pra barrá-lo ou revertê-lo no curto prazo”, diz Douglas Belchior. “Mas estamos fazendo tudo que tá ao alcance, trabalhando, radicalizando nas nossas ações, e é isso que temos que fazer”.

Além das denúncias internacionais, no caso de Paraisópolis especificamente o mandato da deputada estadual Erica Malunguinho propôs um grupo de trabalho com representantes da Defensoria Pública, coletivos jovens e organizações como Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) para propor medidas que não fiquem apenas no policiamento.

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) criou uma comissão com representantes de familiares das vítimas, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) e lideranças da comunidade para acompanhar as investigações.

“Não da pra permitir que um órgão do estado seja violador de direitos, trazendo medo”, aponta Carlos Alberto de Souza Almeida, morador do Jardim Ângela, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e conselheiro do Condepe. “O arquivamento do inquérito mostra mais uma vez que não estão preocupados com a população da periferia”.

Entre as batalhas de rap e outros encontros que organiza, Gloria Maria sabe que precisa ampliar a discussão. “Quem sabe que eu fui no Haiti denunciar o massacre? o seu Zé, dono do bar, não sabe. Precisamos explicar essas políticas de genocídio pro trabalhador, para nossos vizinhos, nossos irmãos na comunidade”, completa.

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