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Matriarcas: Célia Marina resgatou a identidade negra e fez a cabeça de uma quebrada inteira – Periferia em Movimento

Matriarcas: Célia Marina resgatou a identidade negra e fez a cabeça de uma quebrada inteira

Texto por Thiago Borges. Idealização, pesquisa e reportagem por Lucimeire Juventino. Roteiro: Thiago Borges. Edição de vídeo por Pedro Ariel Salvador

Cabelos soltos, trançados, com dreads, estilizados… A identidade negra está presente nas ruas do Grajaú, o segundo distrito com maior percentual de população negra da cidade de São Paulo (56,8%, de acordo com o Mapa da Desigualdade 2019). Salões se multiplicam e o mercado apresenta uma variedade de produtos para cuidar dos crespos.

Nem sempre foi assim.

Célia Marina Beldoino é de uma época em que imperava a ditadura do alisamento, uma estratégia para amenizar a discriminação racial. E, por isso, fez história no Extremo Sul da cidade de São Paulo trançando homens negros e mulheres negras de todas as idades desde os anos 1980. O que pulsava seu coração era trançar , ver as pessoas felizes com seus cabelos – e isso ela fez até o último dia de sua vida.

Há 06 anos, Célia Marina não está mais entre nós. Por isso, o décimo e último episódio de “Matriarcas” no ano de 2019 aborda seu legado. Idealizada pela escritora e professora Lucimeire Juventino e realizada pela Periferia em Movimento, nesta série de reportagens contamos histórias de mulheres que cavaram os alicerces de lutas por direitos que continuam fortes até os dias de hoje.

Assista o vídeo:

Saiba mais sobre Célia Marina

Nascida em 07 de maio de 1963 no Jabaquara, zona Sul da capital paulista, Célia Marina chegou ao Grajaú ainda criança, com os pais Anna Rosa e Benedito Antonio Beldoino. Estudou na EMEF Joaquim Bento, fez amigos e quando adolescente começou a frequentar os bailes do Clube Aristocrata.

Fundado em 1961 como uma associação beneficiente, o famoso clube foi criado por membros da elite negra paulistana com o objetivo de firmar a cultura e identidade negra contra o racismo. Pela sede social do Aristocrata, passaram nomes como Wilson Simonal, Cartola, Milton Nascimento e os Jackson Five. Na área de campo do Grajaú, as piscinas atraíam sócios de todas as partes da cidade.

Célia Marina (foto: Arquivo pessoal)

Buscando servir como referência de autoafirmação, o clube assumiu como missão mobilizar a comunidade negra oferecendo-se como guia na construção do orgulho negro em uma época em que portas eram fechadas para os mesmos em demais clubes e organizações sociais. E foi parte da construção de identidade da própria Célia Marina, que também desfilou na Flor Imperial do Grajaú, uma escola de samba local.

A paixão por tranças levou Célia Marina a trabalhar no conhecido salão de Toninho Black Power, na Galeria do Rock. Internada na maternidade para ter os filhos, trançava outras gestantes à espera de dar à luz. Também fazia cabelos no Grajaú, atendendo na própria casa e no domicílio das clientes, até abrir o próprio salão nos anos 1990, em frente à favela Sucupira. Clientes vinham de longe para fazer a cabeça na quebrada.

Na quebrada, ensinou o ofício de trancista a muitas mulheres. Dizia que era importante ter uma profissão para não depender de homem. E até hoje tem gente trançando porque aprendeu com ela.

Célia Marina teve 04 filhos, que criou sozinha. Em 28 de fevereiro de 2013, antes de completar 50 anos, morreu no Hospital Grajaú. Entre amigos e familiares, fica a saudade de alguém que estava sempre de bom humor mesmo em momentos difíceis. Seu legado hoje é visível no território em que fez morada, criou raízes e plantou sementes da ancestralidade.

Abaixo, uma carta dos filhos Laís, Gabriel, Julio e Gustavo:

“Mãe,

A senhora nos mostrou e plantou em nossos corações o que ninguém é capaz de tirar: o temor a Deus, o conhecimento da palavra de Deus em nossas vidas e a fé.

Nos mostrou o quanto família e amigos são importantes e precisam ser valorizados.

Nos mostrou que a vida é dura, mas com alegria, bom humor e companheirismo se torna leve.

Nos ensinou a importância do trabalho.

Foi mulher guerreira e trabalhadora, sempre com muito carinho e dedicação na sua profissão.

Nos ensinou a amar a nossa ‘identidade negra’.

Nos mostrou o quanto é bom confraternizar com aqueles que amamos. Mostrou também que a vida é curta e precisamos viver intensamente.

Lembramos diariamente dos seus ditados.

‘Tudo tem seu tempo e sua hora’.

‘Minha hora vai passar e a de vocês vai chegar’.

Seus anos se passaram e ainda é difícil viver sem a senhora aqui.

Nossos dias, nossos domingos nunca mais foram os mesmos.

Mas somos gratos a Deus por ter nos presenteado com uma mãe tão maravilhosa, intensa em tudo que fazia.

Hoje não está entre nós, mas é lembrada com muito carinho por todos.

Esperamos ser para os ‘nossos’ pelo menos um pouco do que a senhora foi para nós.

Amamos você!

Laís, Gabriel, Julio e Gu.”

Histórias de quem veio antes

A reportagem sobre o legado de Célia Marina marca o término da primeira temporada de “Matriarcas”. Ao longo de 2019, a série de reportagens idealizada e concebida pela professora e escritora Lucimeire Juventino, realizada com apoio da Periferia em Movimento, trouxe relatos de mulheres que estão na luta por direitos há 20, 30, 40 anos nas quebradas Extremo Sul de São Paulo: Adélia Prates, Maria da Glória, Aparecida Inocêncio, Isildinha Alves dos Santos, Marina Amparo, Maria de Lourdes, Maria Afonso, Maria Vilani, Maria do Carmo e, agora, Célia Marina.

Assista abaixo a todos os episódios produzidos:

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