Edição por Thiago Borges

O Circo Escola Grajaú é um importante ponto de referência para quem atravessa os 7km de extensão da avenida Dona Belmira Marin. Porém, mais do que localizador, é um símbolo: em mais de 20 anos de funcionamento, já atendeu a milhares de crianças e adolescentes da região com atividades lúdicas diversas. O que muita gente pode não saber é que o Circo Escola Grajaú é um serviço de fortalecimento de vínculos que integra a Assistência Social – um direito pouco conhecido pela população e que, por não ter tanta visibilidade como Saúde e Educação, corre sérios riscos.

Circo Escola Grajaú, um serviço de convivência e fortalecimento de vínculo que faz parte da política de Assistência Social


O dia 15 de maio que acaba de passar celebrou o Assistente Social, profssional que tá na linha de frente dessa política pública tão presente no nosso dia a dia mas que passa quase batida. Moradores em situação de rua, crianças que sofreram violência sexual, pessoas que recebem o Bolsa Família, idosos, pessoas com algum tipo de deficiência e adolescentes em conflito com a lei: todos eles contam – ou deveriam contar – com o atendimento da Assistência Social.
Mas até 1988 isso não era considerado um direito. Apenas os funcionários de algumas empresas recebiam “benefícios” como cestas básicas, graças às conquistas de sindicatos de algumas categorias profissionais. Os mais pobres, sem registro em carteira ou marginalizados, ficavam nas mãos do serviço voluntário e da filantropia, como igrejas e organizações de caridade.
Isso mudou em 1988. Com a Constituição Federal, o Brasil reconheceu a Assistência Social como uma responsabilidade do Estado nos artigos 203 e 204. Esse é um passo para garantir a cidadania universal e que os direitos cheguem a todos – mesmo quem não contribui com impostos ou não tem como trabalhar. Em 1993, mais um passo foi dado nessa direção com a aprovação da LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), que tem o objetivo de tirar da pobreza a parcela da população economicamente inativa, como crianças, idosos e pessoas com deficiência.

Como funciona?

O SUAS (Sistema Único de Assistência Social) organiza as ações da Assistência Social em dois tipos: a proteção social básica e a proteção social especial. Em cada território ou região, elas ocorrem vinculadas a centros específicos – o CRAS (Centro de Referência a Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).
A proteção básica é destinada à prevenção de riscos sociais e pessoais por meio de programas, projetos, serviços e benefícios a indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social. Sua atuação se dá por meio de serviços como dos CCA (Centro da Criança e Adolescente), CJ (Centro para Juventude), SASF (Serviço de Assistência Social à Família), entre outros.
Já a proteção especial é destinada a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco e que tiveram seus direitos violados por abandono, maus-tratos, abuso sexual, uso de drogas, e outros tipos de violações e violências. Sua atuação acontece por meio de serviços como do SPVV (Serviço de Proteção à Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência), NPJ (Núcleo de Proteção Jurídico-Social), SEAS (Serviço Especializado em Abordagem Social), MSE (Medida Socioeducativa), entre outros serviços.

As Prefeituras Municipais são as responsáveis por executar a política de Assistência Social. Desde 2005, a rede socioassistencial cresceu de forma (mais de 60%) em São Paulo e hoje são 1.392 serviços existentes no município. Porém, mais de 90% dessa rede é formada por organizações sociais que executam a política pública por meio de convênios.
Para a gestão executiva do Fórum regional de Assistência Social da Capela do Socorro e Parelheiros (FAS-CP), que reúne ONGs que executam essa política na região Extremo Sul da cidade, os resultados obtidos são positivos pois essas organizações são do território e conhecem as demandas das comunidades atendidas. “Mas não podemos deixar de destacar que há um sucateamento e desvalorização do trabalho realizado quando o Estado terceiriza, pois seu maior objetivo é reduzir gastos e se isentar parcialmente de sua responsabilidade”, aponta, em nota.
Ex-gestora de dois serviços socioassistenciais no Grajaú, mulher negra e periférica, a assistente social Elaine Souza observa que essa terceirização piora as condições de trabalho dos profissionais da área, já que eles não têm estabilidade no trabalho e correm riscos constantes. Para piorar, o número reduzido expõe trabalhadores a acúmulo de tarefas e adoecimento, o que pode impactar na qualidade do serviço prestado à população.
“O município ficou bastante tempo sem abrir concurso. No último, realizado em 2014, chamaram apenas 100 profissionais, o que é insuficiente para atender as lacunas de RH da Assistência Social na cidade de São Paulo”, ressalta Elaine, que é mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Além disso, apesar da expansão da rede nos últimos anos, ela ainda é insuficiente. No distrito do Grajaú, que conta com um único CRAS, a maior demanda é para fazer ou atualizar o Cadastro Único (CadÚnico), que possibilita receber benefícios como Bolsa Família, por exemplo (23 mil famílias recebem renda por programas de transferência na região). “Esse único CRAS existente no Grajaú se tornou hoje um operador de transferência de renda e dos sistemas que envolvem esses programas. Infelizmente, essa realidade não é só no território do Grajaú”, observa Elaine.


As perspectivas não são animadoras. Com o congelamento dos gastos sociais por 20 anos pelo governo federal, a avaliação é que ficará ainda mais difícil executar a política de Assistência Social. “Diante disso, sorrateiramente e na surdina, muitos cortes são realizados nessa política pública devido ao seu pouco reconhecimento pela população em geral”, observa o FAS Capela do Socorro e Parelheiros.
Para Elaine, o SUAS hoje não garante a continuidade do trabalhador na política nem das organizações sociais conveniadas, que têm que dar conta de despesas muitas vezes não previstas no contrato com a Prefeitura. Fora isso, o Estado a serviço do capital não se responsabiliza como garantidor desse direito e promove um desmonte da política pública. Assim, a Assistência Social não só deixa de combater como pode perpetuar a pobreza.
 

Em defesa da Assistência Social

Para quem tem interesse em se mobilizar em torno desse direito, o Fórum de Assistência Social regional (FAS-CP), que existe desde 2016 e promove suas plenárias toda terceira sexta-feira do mês, de forma itinerante entre a região da Capela do Socorro e Parelheiros.
O Fórum é composto por trabalhadores e usuários dos serviços da Assistência Social, bem como representantes das organizações da sociedade civil, e é aberto para qualquer cidadão que tiver interesse em participar.A articulação tem caráter deliberativo e visa estabelecer espaços democráticos de discussões, formações e de militância.
Saiba mais como participar aqui.

 

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