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action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/periferiaemmovimento/www/teste/wp-includes/functions.php on line 6114mfn-opts
foi ativado muito cedo. Isso geralmente é um indicador de que algum código no plugin ou tema está sendo executado muito cedo. As traduções devem ser carregadas na ação init
ou mais tarde. Leia como Depurar o WordPress para mais informações. (Esta mensagem foi adicionada na versão 6.7.0.) in /home/periferiaemmovimento/www/teste/wp-includes/functions.php on line 6114Por Nayra Lays
“Mãe, como foram os seus partos?”
Eu só perguntei isso à minha mãe aos 19 anos, quando uma amiga me falou pela primeira vez sobre violência obstétrica. Até então, tudo o que eu sabia sobre partos era o que já tinha visto em algumas novelas: gritos de dor, um papai apreensivo segurando a mão da mulher, um choro de bebê, choros de alegria da família. Eu nunca havia refletido sobre como foram os momentos antes e durante o parto de mulheres ao meu redor, mulheres como eu, a começar pela que me pariu. Mas foi perguntando que descobri que, para muitas delas, a dor não passou assim que elas olharam para seus bebês recém chegados ao mundo, como nas novelas.
As primeiras respostas da minha mãe à minha pergunta foram descrições de momentos de sofrimento, em especial os vividos no primeiro parto, 21 anos atrás, quando ela tinha 24 anos. Ela se lembra de ter sido deixada em uma maca sozinha por muito tempo, tomando medicação, até a hora que o médico decidiu chegar. Lembra-se do fato da minha avó precisar subornar uma enfermeira pra que ela cuidasse de uma mulher prestes a parir. Lembra-se dos conselhos: “não grita, se não eles vão te deixar por último pra ter o bebê”. E lembra-se da força que ela precisou tirar de algum lugar, quando o médico disse em uma sala com cinco mulheres: “quem ganhar neném até 19h, amanhã ganha alta”.
E daí foi minha hora de ME questionar: esses sofrimentos são normais?
Nessa investigação, acabei por procurar outras narrativas dentro da minha realidade, no Grajaú, de quem pudesse me contar o que é normal e o que não deveria ser — mas se naturaliza, muitas vezes pela falta de acesso à informação, em um dos momentos mais intensos vividos por uma mulher. Além disso, quis descobrir o que é parto humanizado, e se é acessível para as que vivem desse lado da ponte.
No caminho, além da minha mãe Liliam Alessandra, encontrei Cristiane Rosa e Cintia Adorro, que se fazem conhecer através de falas sobre suas experiências com a gravidez e o parto. A elas, meus eternos agradecimentos pelos ensinamentos pra toda uma vida.
“O médico fazia o exame de toque toda hora, parecia que estava tocando uma porca. Ele me disse: ‘você vai ter seu filho aqui, mas não vai ser agora’. E eu fiquei lá sozinha, fazendo força. Ninguém podia entrar, eu tinha que ficar sozinha”
– Liliam, 46 anos, minha mãe, do Caique e do Vinicius. Pariu pela primeira vez há 21 anos, em um hospital particular
“O médico falava: olha o útero dessa menina. Vinha um e outro olhar”
“Minha mãe me aconselhava: não grita que é pior, se não eles vão te deixar por último pra ter o bebê. No meu primeiro parto, ela prometeu à uma das enfermeiras que, se ela cuidasse de mim, receberia um dinheiro extra. Então eu não gritava, tinha medo. Mas apertava a campainha sempre, chamando a enfermeira pra que ela ficasse do meu lado. Se não fosse pelo dinheiro, acho que ela não cuidaria de mim não.
Todos esses relatos, de uma única mulher, configuram violências obstétricas, ou seja, atos vindos de profissionais da saúde que nos façam sentir expostas, envergonhadas, abandonadas e/ou que negue nosso direito à informação sobre procedimentos feitos em nossos corpos durante o parto. Nós, mulheres negras brasileiras, estamos mais vulneráveis socialmente, e um estudo realizado em 2014 pela Fundação Oswaldo Cruz mostra que somos mais de 60% das vítimas de violência no parto. Precisamos falar sobre isso nas quebradas.
“Se o parto não é doença, arruma-se uma forma de ganhar dinheiro com ele”
– Cristiane Rosa, 36 anos, doula desde 2014
“Parir é um evento natural, que só precisa de intervenção médica se houver necessidade, uma complicação. O melhor obstetra é aquele que assiste o parto, que orienta. Quem faz o parto não é o médico, é a mulher.
Mas se o parto não é doença, arruma-se uma forma de ganhar dinheiro. Quem banca os custos de um hospital particular, de um médico? Cesárea é cirurgia, e cirurgia é dinheiro. Existe uma indústria do parto, e uma lista de motivos absurdos que os médicos dão pra fazer a cesárea, por exemplo. Especialmente a cesárea agendada é extremamente violenta. No SUS, na maioria dos casos, o que acontece é o abandono das mulheres, mesmo com o parto normal, o que as fazem pensar que o parto cesárea é melhor.
Quando se fala em parto humanizado, logo se tem a ideia daquele parto feito em casa, na banheira, com velas, o que ainda está distante pra nós, mulheres da periferia. Mas, na verdade, o parto humanizado não é um tipo de parto. A cesárea pode ser humanizada, quando diagnosticada que realmente precisa, se a mulher puder estar acompanhada por alguém de confiança. Humanizar significa olhar primeiro para as necessidades da mãe e do bebê — os mais importantes naquele momento, e não do médico.
O sofrimento que ocorre em um parto, não deveria ser pela mulher estar se sentindo abandonada. A minha experiência com violência obstétrica, aos 19 anos, contribuiu pra que eu me interessasse pelo acolhimento à mulher que vai parir. O nome da mulher que serve, acolhe outra nesse momento, é doula.”
“Durante a gravidez, toda informação é importante”
– Por Cintia Adorro, 21 anos, mãe do Ben, de sete meses
“Eu estava num grupo no whats, e disse que tava grávida. A Cris (do relato anterior) perguntou se podia me doular, e eu disse que sim, mas eu nem sabia o que era uma doula. Foi ela quem me falou sobre a Casa Ângela, um centro de parto humanizado. Quando eu comecei o acompanhamento lá, estava com duas semanas. Elas oferecem um curso pras gestantes, ensinando como amamentar, dar banho, trocar fralda.
Uma coisa que me surpreendeu muito foi saber que tudo o que o feto precisa é dado pela mãe através do cordão umbilical. Então, quando ele está enrolado no pescoço, não precisa ser motivo pra pânico ou pra realizar uma cesárea. Assisti a uns documentários e vi que gravidez não é doença, que grávidas podem andar, subir escadas. Hoje eu sei que muitos médicos querem que estejamos preparadas de um jeito que seja bom pra eles, não pra nós.
No dia do parto eu pude levar umas músicas, a luz era baixinha e o ambiente quentinho. Eu estava com meu companheiro e com a Cris, e isso me fez sentir confiante.
Pra mim, um parto ideal é um parto respeitoso.”
Nossa maior arma é a informaçãoSó conseguimos identificar violências, quando aprendemos a não naturalizá-las. Mulheres, especialmente negras e periféricas, DEVEM saber que sofrem violência obstétrica. Mas, como ter acesso à informações adequadas, com uma mídia que vende um discurso que ora amedronta, ora romantiza a gravidez e o parto? Para muitas mulheres periféricas, a internet pode ser uma aliada: a Cintia compartilha histórias reais sobre maternidade no Facebook. A Cristiane, por vezes sente que indicar documentários às mulheres também é uma forma de doular e, ao mesmo tempo, tentar responder o questionamento que tem desde a conclusão do curso de doula: o que eu faço com tanta informação? Algumas referências: Grupo de Acolhimento Casa Angela (citado pela Cintia). Clique e saiba mais. Documentário Nascer no Brasil (indicado pela Cris): Parto, da violência obstétrica às boas práticas. Clique para assistir. Especial “O Renascimento do Parto”. Clique para assistir. Agência Patrícia Galvão: Fonte secundária do dado sobre violência contra mulheres negras. Clique e conheça. |