Quantas pessoas que foram assassinadas você conheceu?
Quantos amigos ou familiares?
Qual era a raça deles? Onde eles moravam?
Esses casos viraram notícia na mídia? Foram investigados?
Pode haver alguma exceção à regra, mas arriscamos responder: sim, você teve algum familiar, amigo ou conhecido assassinado, provavelmente era um homem negro e morava em alguma quebrada. E não, o caso não foi noticiado nem o crime investigado. E a vida segue. Segue?
Divulgado nesta quinta-feira (25 de agosto), o Mapa da Violência 2016 faz um levantamento das mortes por armas de fogo no Brasil. Em 2014, foram registrados 42 mil homicídios por armas de fogo no País de um total de 57 mil assassinatos – o maior número desde 1980, quando começou a série de registros. Nesses 34 anos, 967 mil pessoas foram mortas no País. Quase um milhão!
Como o recorte do estudo são as mortes por armas de fogo, o estudo aponta que o número de casos desse tipo cresceu em média 8,1% até 2003, quando começou a campanha do desarmamento, e começou a cair até acelerar novamente a partir de 2012. Desde 2004, 133 mil vidas teriam sido poupadas pelo controle maior de armas circulando.
Por outro lado, o Mapa reforça que o processo de genocídio do povo preto tá a todo vapor: enquanto o número de vítimas negras desse tipo de violência subiu 9,9% entre 2003 e 2014, no mesmo período o de vítimas brancas caiu 27,1%.
Para cada pessoa branca assassinada por arma de fogo, morrem 2,6 vezes mais negros da mesma forma. Ou seja, cerca de 62% das vítimas são do povo preto.
Uma observação: vale lembrar que, enquanto no censo do IBGE é a própria pessoa entrevistada que indica qual é a raça com a qual se identifica, nos levantamentos são considerados os apontamentos feitos pelos agentes de segurança – ou seja, o número de negros mortos pode ser bem maior, considerando o racismo dentro das instituições de governo.
Agora, faça a conta da tragédia: se cada família brasileira tem em média quatro pessoas (como diz o IBGE) e cada jovem deve ter em torno de cinco amigos próximos mais um companheiro ou companheira, podemos levar em conta que cada um de nós mantém um círculo afetivo de dez pessoas em média.
Ou seja: para os 57 mil pessoas que foram assassinados em 2014, outras 570 mil ficaram em vida com traumas e cicatrizes difíceis de se fechar.
A questão é: quem se importa se um moleque preto morreu na quebrada? Quem se importa com nosso choro?
Ligue a TV, acesse os grandes portais de notícia e veja: as principais manchetes falam do início do julgamento no Senado do processo de impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff ou dos cortes planejados pelo presidente golpista Michel Temer.
Nesta sexta-feira (26), começa a campanha no rádio e na TV de candidatos a prefeito e vereador, com promessas e sorrisos falso. Afinal, a Olimpíada acabou domingo, mas o espetáculo tem que continuar.
Enquanto isso, somos medalha de ouro em genocídio. E isso não é considerado escandaloso. Enfim, quem luta por nós? Aqui, o golpe é permanente.
Como estado racista, o Brasil é uma máquina mortífera para o povo preto. Mas temos que parar essa máquina. O Mapa da Violência é só mais um chacoalhão para seguir na resistência diária.