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Cultura do estupro: violência começa na infância, migra pra internet e a vítima ainda é culpada – Periferia em Movimento

Cultura do estupro: violência começa na infância, migra pra internet e a vítima ainda é culpada

Foto: Carolina Teixeira

Originalmente publicado no Portal da Juventude*
Recentemente, o Brasil ficou em choque com a notícia de uma adolescente carioca que foi estuprada por 33 homens em uma favela do Rio de Janeiro. Em todo País, a cada 11 minutos uma pessoa é violentada sexualmente, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Roraima é o estado que lidera o ranking de casos de estupro. Porém, nem todas que passam por essa situação denunciam.
Em maio, o Portal da Juventude publicou uma série de reportagens sobre o assunto lembrando que, de acordo com os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes e o crime é praticado por familiares ou pessoas próximas da família.
Para mobilizar a sociedade brasileira contra essas violações, o dia 18 de maio foi estabelecido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Em 2014, foram feitas 24.575 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em todo o Brasil, segundo a Fundação Abrinq. Do total, 19.165 foram de abuso (que geralmente acontece em casa ou círculos de convivência, envolvendo parentes ou amigos da família) e 5.410 de exploração sexual (quando há pagamento em dinheiro, presentes ou favores em troca de sexo).
O mais trágico é saber que, infelizmente, não têm como se defender, pois, na maioria das vezes, o agressor vive no mesmo lar e as crianças são colocadas em dúvida pelos pais, consequentemente deixando a vítima de lado e assim permitindo a perpetuação de um trauma para o resto da vida
Um dos casos é de uma adolescente de 15 anos que sofreu estupros rotineiros por parte de um tio, irmão de sua mãe: “Aos 4 anos começou todo esse pesadelo. Um dos meus tios me pedia para tocar nele quando ficávamos a sós. Com o passar do tempo as coisas foram piorando, ele me colocava no colo e começava a me acariciar, foi quando ocorreu a penetração. Foi horrível!”, relata a vítima.
Ela também conta que, após a violência que sofreu, correu chorando para contar a sua avó, porém ela não acreditou em nada, pois “não passava de uma criança inventando coisas”. A menina ficou envergonhada, mesmo sendo vítima, e se culpou sobre o ocorrido.
Aos 14 anos, a adolescente foi morar com sua mãe já que na casa de sua avó o tio continuava a violentá-la. “Uma vez, cheguei de uma festa e fui dormir; minha mãe foi dormir na casa do namorado dela. Meu tio pulou o muro e arrombou a janela e veio diretamente na direção do meu quarto me ofereceu dinheiro para transar com ele mas eu não aceitei. Corri e gritei mas ele veio atrás de mim e me segurou. Tapou minha boca e disse que se eu gritasse iria me matar. Ele também me xingou e bateu na minha cara, mas eu consegui sair correndo, e sai de casa”.
A menina foi para casa do namorado de sua mãe e contou tudo para ela mas ela não acreditou. “Minha mãe disse que quem atiçou ele fui eu. Passei a frequentar um psicólogo e consegui superar tudo isso. Mas o pior é que hoje ele tem uma filha, mulher, e isso me deixa triste pois não sabem que há um estuprador dentro de casa”, relata ela.
Enquanto isso, a cultura do estupro se perpetua. A estudante de publicidade Natalia Mendes Araújo, 24, moradora do Jardim Rubilene (Diadema), passou por uma situação de abuso há pouco tempo.
“Ele me tocou contra a minha vontade. Eu estava no metrô da linha azul e senti uma mão em mim. Eu gritei, ele olhou pra mim e começou a correr na estação”, e completou “Eu gritava e chorava na estação, eu me senti lesada. Empurrei-o, ele me empurrou de volta e todo mundo só olhava”. Segundo ela, solicitou ajuda no trem, mas as pessoas ao redor não tiveram nenhum tipo de reação.
07062016_cultura do estupro

Violência on-line

No final do ano passado, uma campanha no Twitter reuniu diversas mulheres de distintos lugares do País e teve mais de 70 mil publicações com a #meuprimeiroassedio. Com o uso da hashtag, mulheres desabafaram na rede social sobre quando foram assediadas na infância, muitas das publicações falavam de quando elas eram crianças e foram assediadas por familiares, pessoas próximas ou até por estranhos.
Com todo mundo cada vez mais ligado nas redes, a internet é importante canal de denúncia. Por outro lado, passou ser um território de violações contra crianças e adolescentes.
“A internet facilita a exploração e o abuso porque o jovem é curioso, mas não tem maturidade para entender que está correndo risco. Se ilude”, nota a psicóloga Dalka Ferreira, do Instituto Sedes Sapientiae e coordenadora-geral do Centro de Referência de Vítimas de Violência (CNRVV).
E, com o uso cada vez mais frequente da internet, essas violências ocorrem numa escala muito maior: afinal, 62% de crianças e jovens entre 9 e 23 anos acessam a rede virtual todos os dias e 60% compartilham fotos pessoais na rede, de acordo com a ONG Safernet. Em nove anos, a organização que luta contra a violação de direitos e crimes cibernéticos recebeu e processou 1,4 milhão de denúncias de pornografia infantil na internet.
Os aplicativos de troca de mensagem facilitam a pegação. Zap vai, zap vem, o papo no celular esquenta e a pessoa na outra ponta do chat pede a clássica: “manda nudes”. Quem nunca? Afinal, o direito a uma vida sexual saudável é assegurado pelo Estatuto da Juventude, e as novas tecnologias permitem diferentes formas de se curtir.
Mas nem sempre é de boa. O compartilhamento de fotos e vídeos íntimos na rede, sem autorização ou até mesmo de adolescentes, está virando rotina e o pior: viraliza rapidamente.
 

Ilustração: Evelyn Queiroz / Negahamburguer

Ilustração: Evelyn Queiroz / Negahamburguer


Desde 2015, ativistas do Grajaú e de Parelheiros (Extremo Sul de São Paulo) recebem denúncias de uma prática de cyberbullying bastante conhecida na região: o TOP 10 do WhatsApp, que consiste em fazer montagens de fotos e vídeos íntimos de meninas. Os posts compõem uma “lista das 10 mais vadias da escola”, que circula pelos celulares, viralizam nos grupos, rompem os muros do colégio e chegam às ruas com as pixações.
“E tem uma distorção aí. Quando [a vítima] é adolescente, principalmente quando não é mais virgem, ela é colocada como culpada”, observa Rosilene Matos, assistente social e gerente do Serviço de Proteção à Vítima de Violência (SPVV) do Cedeca Interlagos. “Teve menina que teve que se mudar de escola, de bairro e até tentou suicídio”, completa.
Duas meninas do Grajaú chegaram a se suicidar por causa do cyberbullying 10, segundo o coletivo Mulheres na Luta, que realizou um grafitaço contra o TOP (veja na foto em destaque de Mayra Carvalho).
“Isso causa constrangimento e é uma situação difícil do jovem lidar sozinho”, diz Dalka, do Seddis Sapientiae.
Mas ninguém está só. Quem vivenciou ou conhece alguém que foi vítima de violência sexual deve denunciar os casos ligando para o Disque 100, procurando o Conselho Tutelar de sua região ou serviços de proteção como o do Cedeca Interlagos.
Crianças ou adolescentes que se mantêm isolados, com baixa autoestima, amedrontados e agressivos apresentam um comportamento suspeito de quem sofre violência sexual. O Instituto Sedes Sapientiae tem cartilhas que ajudam a identificar casos assim. Veja aqui.
“Nossa campanha é de informação, para orientar de que forma podemos utilizar”, completa Ivone Colontonio, assistente social do SPVV do Cedeca Interlagos. “A tecnologia tá aí e vamos usar de qualquer forma”.
 

*O Portal da Juventude é mantido pela Coordenação de Juventude da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Junto a Escola de Notícias, Vozes da Vila Prudente e Glória Maria (estudante secundarista de Paraisópolis), o Periferia em Movimento produz conteúdo sobre juventude e direitos a partir das bordas da cidade. Acesse todas as reportagens no Portal. Periodicamente, vamos publicar por aqui também!

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