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“Crimes de Maio de 2006” seguem impunes e perpetuam banho de sangue nas periferias – Periferia em Movimento

“Crimes de Maio de 2006” seguem impunes e perpetuam banho de sangue nas periferias

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

Débora Maria da Silva, uma das Mães de Maio. (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

Crianças traumatizadas. Pais com problemas cardíacos. Mães que morreram deprimidas. Famílias inteiras despedaçadas com os homicídios de seus filhos por agentes de segurança pública – e a total impunidade dos culpados por essa tragédia brasileira.
Nesta terça-feira (07 de abril), um grupo de mães, pais, irmãos e avós despejaram mais uma vez essa dor sobre o colo de autoridades durante audiência pública realizada na sede da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo.
Convocada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a audiência pública tinha por objetivo debater a atividade policial e a atuação do Ministério Público paulista (MP-SP) com relação aos “Crimes de Maio de 2006” – que resultaram em pelo menos 493 mortos pela PM paulista em revide aos ataques de supostos membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) após o achaque de presidiários por integrantes da corporação.
Familiares das vítimas criaram o Movimento Mães de Maio, que desde então denuncia a violência estatal, o encarceramento em massa e o genocídio da população preta, pobre e periférica e mantém viva a memória dos mortos no período.
Um deles foi Edson Rogério da Silva, 29 anos, gari negro morto por policiais militares (PM) da Baixada Santista. Sua mãe Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, após muita luta conseguiu que o Estado de São Paulo admitisse a responsabilidade pelo assassinato dele.
Vera Lúcia dos Santos não teve o mesmo êxito. Ela perdeu o genro e a filha, que estava grávida e foi assassinada por quatro homens encapuzados na véspera da cesariana. A justiça arquivou a investigação dos homicídios do genro, da filha e da neta, que sequer foi retirada da barriga da mãe. E em agosto de 2008, após conceder uma entrevista sobre o episódio, Vera foi presa com a acusação de tráfico de drogas.
“Eles tiraram não só a minha família, mas também minha liberdade. Eles acabaram com minha vida e de outras mães, e continuam acabando porque sabem que não vai dar em nada”, diz Vera, que foi solta no final de 2011.
Já Francilene Gomes, de Itaquera, ainda busca pelo corpo do irmão Paulo Alexandre Gomes, que tinha 23 anos quando desapareceu enquanto ia até a casa da namorada. Segundo testemunhas, ele teria sido abordado por policiais da ROTA e levado no camburão.
“Eu sou cidadã e não aceito como retribuição pelo pagamento dos meus impostos as balas que mataram meu filho”, aponta Débora. “O Estado mata nossos filhos e nos mata junto”.
Convidado a participar da reunião, o governador Geraldo Alckmin – então licenciado do mesmo cargo em maio de 2006 para concorrer à Presidência da República – não compareceu à audiência pública nem enviou representantes.
Já a secretária nacional de Juventude, Angela Cristina Santos Guimarães, indica o genocídio de jovens e negros como maior desafio para a consolidação da democracia brasileira.
“Estamos trabalhando pela Proposta de Emenda Constitucional da Segurança Pública, para que a União e os municípios sejam co-responsáveis por essa área, e não só os estados”, diz ela. “E precisamos romper com essa lógica de que quem comete a violência é quem investiga”.
Por uma “Lava-Jato” das execuções sumárias
Com a maior parte dos casos arquivados pelo MP, os Crimes de Maio de 2006 seguem impunes.
“Será que o Judiciário não ajuda a matar 10 vezes mais que a polícia com uma canetada, com um arquivamento?”, indaga Débora. À época, o MP chegou a elogiar a atuação da Polícia Militar.
Incrédulas da capacidade do MP paulista apurar as execuções, as Mães de Maio lutam desde 2010 pela federalização das investigações do massacre – em análise no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – e denunciaram as violações à Organização dos Estados Americanos.
Marcio Elias Rosa, procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, reconhece a omissão do MP mas acredita que a representação em órgãos internacionais e a federalização das investigações não são a solução.
“Que as autoridades adotem políticas públicas capazes de inibir a morte desses jovens nas periferias”, diz ele, que pretende aguardar a íntegra do relatório da audiência pública, prevista para agosto, para determinar ou não alguma nova ação do Ministério Público. “Mas saibam vocês que nem 10% dos homicídios no Brasil são elucidados”, tergiversou.
O conselheiro Jarbas Soares Junior também desconversa sobre a possibilidade de o CNMP recomendar a reabertura dos inquéritos.

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

Giséria perdeu o filho há três anos, assassinado na rua principal do bairro Cantinho do Céu, Grajaú, Extremo Sul de São Paulo. (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)


A marcha fúnebre prossegue
Enquanto isso, o banho de sangue promovido por agentes públicos continua nas quebradas.
Há três anos a dona de casa Giséria Barbosa Lima, de 40 anos, chora o assassinato de seu filho mais velho, Henrique Barbosa da Silva.
Com 18 anos na época, Henrique trabalhava das 15h até meia-noite uma loja do McDonald’s e chegava de madrugada na casa localizada no bairro Cantinho do Céu, no Grajaú, Extremo Sul de São Paulo.
No dia 18 de março de 2012, madrugada de domingo, ele passou na festa de uma amiga, que comemorava 15 anos. Por volta das 04h da manhã, voltava para casa com um grupo de colegas quando dois policiais que faziam bico como seguranças no supermercado Ki-Preço, que havia sido assaltado, começaram a atirar.
Os outros meninos conseguiram escapar, mas Henrique foi alvejado pelas costas e caiu morto em frente a um templo da Igreja Universal.
Após encontrarem o uniforme do McDonald’s que Henrique trazia na mochila para lavar, os policiais levaram-no já sem vida para o Hospital Grajaú na caminhonete do supermercado. O celular de R$ 230 que ele carregava no bolso, no entanto, desapareceu.
Seis meses depois, Giséria chegou com os outros três filhos ao julgamento mas sem esperanças.
“Antes do julgamento começar, eles já estavam comemorando no corredor. Não chamaram as testemunhas, ninguém foi investigado, a dona do mercado tava rindo da minha cara e os policiais à paisana no corredor me intimidando, dizendo que eu merecia levar um tiro na cabeça. Me fizeram de palhaça”, diz Giséria.
Um dos acusados foi inocentado, enquanto o outro condenado a 14 anos de prisão está recorrendo em liberdade.
“Eu já não espero nada deles (Estado). Já não tenho vida. Às vezes tenho vontade de me matar, de me jogar na frente do metrô”, desabafa Giséria.

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