Quem diria que nossa paixão nacional, antes visto como ópio do povo, hoje é a principal razão para o mesmo povo continuar nas ruas?
Depois de seis décadas e meia, o Brasil vive um momento histórico ao sediar a Copa do Mundo, que começa nesta quinta-feira, 12 de junho de 2014.
E, no dia seguinte, completa-se um ano de outro marco na história do País: em 13 de junho de 2013, São Paulo e Rio de Janeiro, especialmente, foram palco de manifestações por um transporte público de fato, contra o aumento das passagens e por tarifa zero. Criminalizados pelos governantes e pela mídia convencional, as pessoas na rua ganharam apoio da população após sofrerem forte repressão policial.
Manifestantes de primeira viagem com cartazes contra a corrupção, fascistas novos com discurso anti-partidários, reacionários e defensores da ditadura militar agora dividiam espaço com militantes organizados na luta por moradia, saúde, educação, transporte, direitos indígenas e contra o genocídio negro nas quebradas.
Vimos a imprensa mudar de lado, ao apoiar os protestos, até segmentar os manifestantes entre “vândalos” e “pacíficos”. Por obra da mesma imprensa, aos poucos o trânsito voltou a ser mais importante que a pauta de reivindicações e quem seguia nas ruas “não tinha nada pra fazer”.
Como nunca, o gigante acordou, mas já repousa em berço esplêndido. Enquanto isso, a periferia segue sem dormir.
Se 2013 demorou para acabar, 2014 promete ser ainda mais longo. Começou contra os abusos da Fifa: milhares de famíliares removidas de suas casas e especulação imobiliária; aumento da exploração sexual infanto-juvenil; mortes nas obras do mundial; “limpeza” humana das cidades-sede; gastos públicos bilionários; ameaça à soberania nacional; elitização do futebol, o esporte mais popular do País, entre vários outros motivos para protestar.
De um lado, governadores enviaram suas tropas policiais para reprimir, prender, fichar e soltar manifestantes, que depois continuariam sendo intimidados. Geraldo Alckmin, que é adepto do policiamento para negociar greves e resolver problemas, que o diga – apesar da água estar acabando…
Do outro lado, o governo dito “dos trabalhadores” adota a lógica irresponsável de dividir a população entre os pró-Copa e os anti-Copa, num modelo à moda “Brasil, ame-o ou deixe-o” utilizado na década de 1970 pelos ditadores que torturaram a atual Presidenta da República.
E, dentro do clima eleitoral, candidatos que historicamente sempre deram as costas ao povo tentam angariar votos com a insatisfação popular. Estão enganando a quem?
Sendo assim, às vésperas da abertura do mundial, nós do coletivo de comunicação Periferia em Movimento tornamos público nosso posicionamento:
Sim, vai ter Copa, mas não a qualquer custo: vamos combater e divulgar as arbitrariedades cometidas pelos governantes contra a população brasileira em nome do torneio da Fifa, que bateu todos os recordes de receita publicitária.
Sim, vai ter luta, mas que fique bem claro: não estamos do mesmo lado de candidatos a presidência como Aécio Neves e Eduardo Campos, entre outros que tentam se apropriar das manifestações populares.
Sim, vamos torcer pela seleção, mas sem deixar de valorizar o caráter popular do futebol, jogado em campos de várzea ou no meio da rua, com gols de chinelo e lata de óleo.
É justo que as pessoas se entusiasmem com a Copa do Mundo. Mas essa edição é especial: símbolo de nossa alegria, o futebol se tornou síntese de sonhos e frustrações. As faixas de protesto já são mais importantes que cornetas e outros acessórios. E as ruas, coloridas de verde e amarelo, estão à nossa espera. Pois não vai ter Copa sem luta!